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10/21/09

Ex-Combatentes do Ultramar - Ignorados, desconhecidos, desprezados e agora também espoliados?



Tema do blogue "Vouguinha 2", de autoria do ex-combatente e militar português Francisco J. Branquinho de Almeida onde é focado mais uma vez o "desprezo" para com os antigos combatentes da guerra colonial portuguesa em África por parte das autoridades constituidas do Portugal de hoje:

Segunda-feira, 19 de outubro de 2009 - Roubo das "esmolas" - Nunca esperei qualquer reconhecimento ou gratidão patriótica por parte dos poderes auto-intitulados revolucionários emergentes do 25-A, nem, tão pouco, das novas elites "democráticas" que com eles partilharam ou se lhes seguiram no poder. Para quem, não o esqueci, a palavra Pátria era letra morta e reaccionária, sem sentido válido.

Foi gente desta, e seus herdeiros políticos, quem se demitiu da responsabilidade de honrar, com a dignidade que lhes era exigida, não só os que em nome dela tombaram, mas também os que a serviram, no cumprimento dum dever, fosse qual fosse a justeza da guerra que não provocaram e para onde foram lançados.

Os mesmos que, não se nos apague a memória, abandonaram ou entregaram, deliberadamente, milhares de combatentes africanos que lutaram sob a nossa bandeira, irmanados na mesma luta, à chacina vingativa dos seus algozes, revolucionários da pacotilha do Mao e opressores dos povos de que se proclamavam libertadores, conforme se veio, tristemente, a constatar logo a seguir às independências.

Não esperava, mas veio a "esmola", tardia, envergonhada e, demoradamente, regateada. Que, não valendo pelo cunho material, surgiu para os ex-combatentes como sinal confortador por parte dos poderes instalados com a abrilada de 1974 e que sempre os haviam marginalizado e olhado de soslaio.

Vamos aos factos.

Para melhor explicitação, recorro ao meu caso pessoal, não por manifestação egoísta, apenas por poder apoiar-me em dados mais concretos, mas que estará em plano similar ao de muitos milhares de ex-combatentes.

Em Maio de 1989, na minha condição de funcionário público, requeri a contagem do tempo de serviço militar. Foram-me contados 5 anos 8 meses e 15 dias de serviço, que implicaram uma dívida à CGA de 63.020$00, a qual fui pagando ao longo de 6o meses.

Em má hora o fiz, pois, aos sessenta anos de idade, fui aposentado com nada menos que 52 anos e 4 meses de tempo de serviço contável (abdiquei de mais de 8 anos de aumento do tempo de serviço a que tinha direito pelo desgaste da profissão) e 43 anos e 10 meses de descontos efectivos àquele organismo, não tendo, assim, qualquer necessidade do tempo militar para efeitos de reforma.

Decorria o mês de Novembro de 2008, um dia próximo de mais um aniversário, quando constatei que a minha pensão vinha acrescida de € 171,96, correspondentes a um denominado Acréscimo Vitalício de Pensão. Alguém da família gracejou que aquele "matabicho" anual me daria para pagar o programado jantar de aniversário, com bolo e velas incluídos!...

E não pude evitar que me aflorasse à memória o quanto me haviam custado, quase duas décadas antes, os descontos para pagamento do tempo de serviço militar, considerando que, há vinte anos, mais de mil escudos mensais durante 60 meses representavam substancial fatia do meu vencimento de então.

Agora - por coincidência (?) logo após os três actos eleitorais -, mas um mês antes do aniversário, acabo de ser notificado que o referido AVP anual baixou para os € 112,20 (ilíquido, pois sujeitos a IRS). E não deixei de retribuir a ironia familiar do ano transacto, informando que este ano seria suprimido o bolo, as velas...e alguma boa disposição.

Evidente, e quero deixar bem frisado, que não é o valor monetário que estou a a valorizar neste desencantado desabafo. Nada disso!

O que está em causa, e de novo, como assombração eterna, e mágoa atroz que dói mais que um estilhaço de morteiro, que nos acompanhará até aos resto dos dias - e porque no dizer dos próprios "em Política o que parece é" -, é o retomar dos sinais de animalesco desprezo que este poder, estes poderes, sempre demonstraram nutrir pelos ex-combatentes.

Algo que, convenhamos, me não deveria surpreender quando sei, tal como já deixei expresso, reconhecimento algum pode um combatente esperar duma classe política, com destaque para o partido no poder, onde, ao longo dos anos de "democracia", se foram acoitando desertores, traidores, cobardes e outros oportunistas, promovidos nas carreiras e apaparicados por actos dum passado que nos envergonham e aviltam.

A mim, e a muitos dos ex-combatentes, não dão "esmola". Fizeram foi um "assalto" à caixa que se viram forçados a entregar-nos, por pressões partidárias.

O que nunca pagarão a todos os que combateram em nome da Pátria, é a enorme dívida que esta contraiu para com aqueles que arriscaram a vida ou verteram sangue por ela, comprometeram a saúde e projectos de vida.

E, porque considero este corte no subsídio uma manifestação de desprezo e ofensa aos ex-combatentes, o que exijo, sobretudo, é o que não consta nem no dicionário humano nem no léxico político de alguma dessa "gentalha": RESPEITO!

8/21/09

Porquê Chipande perdeu a cabeça?...

O velho e tradicional fisiologismo frelimista tem por porta-voz declarado e descarado um dos tais "heróis-de-barro"!
Transcrevo - Parte 1:

""Tendo sido convidado, participei na segunda-feira da semana passada, dia 3 de Agosto, no encontro em que foi anunciada publicamente a nova estrutura accionista e de direcção do Corredor de Desenvolvimento do Norte (CDN), e devo dizer que saí totalmente desiludido. Devastado, se há algum termo mais forte.

Devastado porque para mim, aquilo que me havia sido dado a entender como tratando-se de um encontro para o anúncio de uma transacção económico-financeira de rotina para qualquer economia normal e razoavelmente saudável, acabou sendo transformado num acto político, no qual se tentou pregar uma doutrina quanto a mim retrógrada, reaccionária e que entra completamente em choque com a ideologia do desenvolvimento sustentável e equilibrado de um país moderno.

O actor principal desta peça foi o General Alberto Joaquim Chipande, que pela sua estatura na nossa sociedade, dispensa qualquer apresentação. Para tornar curta uma longa história, o que o General Chipande disse naquele encontro foi, essencialmente, que neste país a Frelimo faz o que lhe apetece, e o resto que se dane! Que os dirigentes da Frelimo têm o direito natural de enriquecerem, não importam os meios, porque lutaram para libertar o país do colonialismo.

Que são anti-patriotas os que criticam a corrupção e o uso restrito e indevido dos recursos nacionais por uma pequena elite ligada à Frelimo.

Com todo o respeito que tenho por ele e por muitos outros da sua geração, cheguei a pensar que o General pudesse estar sob influência de qualquer anti-depressivo. Porque tudo quanto ele disse contraria em absoluto o discurso formal da Frelimo de lutar contra as desigualdades, contra a pobreza e pelo estabelecimento de uma sociedade de justiça, próspera, moderna e civilizada.

Não conheci Lázaro Kavandame, mas por aquilo que já me foi dado a conhecer pela própria história da Frelimo, o discurso de Chipande assemelhava-se muito à sua narrativa. Será que a Frelimo chegou à conclusão de que estava no caminho errado, e que os ideais de Kavandame e do seu grupo representavam, em última análise, as aspirações mais altas da luta pela independência?

Fiquei com a impressão de que o que Chipande estava a dizer era o reflexo do pensamento colectivo dos dirigentes veteranos da Frelimo. De que lhes devemos favores e obediência inqualificada por nos terem libertado do colonialismo. Quem disse que os que consentem sacrifícios pela libertação ou em defesa da Pátria fazem-no por um objectivo nobre e pelo bem comum?

Ficara aparente de há uns anos para cá, que a Frelimo estava num processo de arrependimento pelas suas opções comunistas do período que se seguiu a 1977. Para muitos isso justificava o capitalismo selvagem e desumano para que muitos dos seus dirigentes se haviam atirado, numa espécie de tentativa de recuperar o tempo perdido. Agora foi bom ouvir essa confirmação de nada menos do que de uma das figuras mais iluminárias desta Frelimo.

A máscara vai caindo gradualmente. E é muito bom, para que as futuras gerações não tenham que viver com uma história esbranquiçada, como aconteceu com a geração dos filhos da geração de Chipande.

Pessoalmente, não considero traição de nenhuma espécie que os dirigentes da Frelimo, ou para esse propósito qualquer moçambicano, enriqueçam. Mas oponho-me tenazmente a uma sociedade em que uns acumulam cada vez mais e os outros, a maioria, têm cada vez menos.

Oponho-me a uma sociedade em que os ricos não o são porque criaram riqueza, mas sim porque usaram da sua influência e poder para assumirem posições como accionistas em empresas sem nunca terem posto um único centavo na mesa.

Oponho-me a um sistema em que os investidores são extorquidos e obrigados a ceder gratuitamente acções a pessoas influentes e poderosas como a única condição de poderem realizar os seus investimentos. Oponho-me a tudo isso porque se trata de um sistema que pode criar gente rica, mas não necessariamente riqueza para o desenvolvimento do país. Oponho-me porque é um sistema que distorce o mercado e a economia.

Portanto, não é contra a riqueza dos dirigentes da Frelimo que as pessoas estão revoltadas.

As pessoas estão revoltadas contra a falta de clareza na maneira como os negócios são feitos neste país, criando uma situação em que tudo quanto é negócio gravita em torno dos mesmos círculos restritos.

Elas estão revoltadas contra o sistema de exclusão nas oportunidades a que estão sujeitos aqueles que não se suplicam à Frelimo.

A revolta é contra aqueles que são eleitos para dirigir o país, mas que se aproveitam do seu poder para enriquecerem.

E se as coisas continuarem como estão, será a geração dos netos do General Chipande que irão pegar em armas e lutar para derrubar o legado da geração dos seus avós. Dessa vez não a partir da localidade de Chai, mas sim a partir do coração e dos efervescentes subúrbios da cidade de Maputo.""
- Por Fernando Gonçalves, in SAVANA – 14.08.2009.
NOTA: Ainda me admira que pessoas que deveriam estar medianamente informadas, acreditem no “discurso formal” da FRELIMO. E não me admira que tudo o que o Gen. Chipande agora disse, não seja um pequeno aviso de que a FRELIMO tem que continuar a ser Governo. Custe o que custar. Para ele, e outros, isso até foi um direito adquirido. Aliás, já aqui escrevi, Moçambique só mudará quando e depois da geração dos anos sessenta acabar: moçambicanos e portugueses. Incluindo a minha pessoa. (Fernando Gil - MACUA DE MOÇAMBIQUE).
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Transcrevo - Parte 2:
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Chipande insiste na “legalidade” dos dirigentes da Frelimo serem ricos. - Luta armada põe veteranos às turras

Jorge Rebelo condena as afirmações do velho guerrilheiro Maconde, enquanto que Mariano Matsinhe e Sérgio Vieira dizem que o “general” terá sido mal entendido...

O general na reserva, Alberto Joaquim Chipande, tido pelos autores dos manuais escolares oficiais ainda em uso em Moçambique, como o homem que deu o “primeiro tiro” que tornou irreversível a insurreição contra o colonialismo português pela Independência Nacional, alegadamente em Chai, a 25 de Setembro de 1964, no que é agora a província de Cabo Delgado, voltou a reafirmar, ontem, durante a abertura da Quarta Reunião Ordinária do Comité Central do Partido Frelimo, o direito dos “antigos combatentes” da luta de libertação armada “serem ricos”.

As afirmações de Chipande, foram ontem proferidas e noticiadas como manchete no noticiário da televisão privada STV.

Chipande, no estilo de um “general” que não recua em combate, respondia a perguntas de insistência. Queriam saber dele, se mantinha o mesmo posicionamento de há duas semanas, aquando da apresentação dos novos corpos gerentes do Corredor de Desenvolvimento do Norte (CdN), onde foi entronizado, como novo presidente do Concelho de Administração do CdN o proeminente jovem “empresário de sucesso”, Celso Correira.

“Mantenho tudo o que disse e repitam, de dois em dois minutos, de hora em hora e de semana a semana”, afirmou peremptório o general frelimista do Planalto de Mueda e ex-ministro da Defesa de Samora Machel.

- General amnésico?
No ano passado, em entrevista que deu à revista «TVzine», que tem como editora a assessora de imprensa do presidente da República Armando Guebuza, a “jornalista” Marlene Magaia, o general na reserva, Joaquim Alberto Chipande, pese o facto de estar envolvido em vários interesses empresariais, quando questionando por Jorge Jacinto, se era ou não empresário disse e passamos a citar: “não me considero empresário; sou um político e por vezes a forma de servir melhor é apoiar projectos que são a favor do desenvolvimento e em que posso dar um contributo, se solicitado”.

Na mesma entrevista foi focada a sua participação no Corredor de Nacala, mas o discurso de Alberto Chipande não mudou de tom e disse: “Não sei se sou empresário por estar nesse projecto, considero-me sim um político que vive a política que o país precisa” (sic).

Importa sublinhar aqui, que uma das «holdings» de que o General que “vive a política que o país precisa” é sócio – o «Grupo Mecula» – de acordo com o relatório do Tribunal Administrativo (TA) de 2007 tem ainda uma dívida de 8,72 milhões de meticais novos (saldo de 31 de Dezembro de 2005), após ter reembolsado nesse ano cerca de 310 mil MT (então foram 310 milhões da Velha Família), ao Tesouro moçambicano.

- Os interesses empresariais de Chipande.
A estreia do cidadão Alberto Joaquim Chipande nas lides empresariais, ou “na política que o país precisa”, como ele prefere dizer, deu-se a 3 de Agosto de 1995 quando a título individual associou-se à «Newpalm Internacional, Limitada» e constituiriam as «Madeiras Rovuma, Limitada» com um capital inicial de 10.000,00 MT da Velha Família (hoje 1.000,00 MT, com o USD a 29,50 MT).

O objecto social da «Madeiras Rovuma» é, entre outros o “comercio geral, compreendendo a importação, exportação, comissões e consignações...”.

Uma vez mais, no ano seguinte, 1996, associado à «Newpalm Internacional, Limitada» e a um “camarada” seu no partido Frelimo, Mateus Kathupa (actual porta-voz da Comissão Permanente da Assembleia da República e PCA da Petromoc, a petrolífera moçambicana), constituem a «CADELMAR-Mármores de Cabo Delgado, Limitada», empresa que, curiosamente, tal como a «Madeiras Rovuma», tem também como objecto social, “comércio geral, compreendendo a importação, exportação, comissões...”. O capital social, também foi o mesmo que o da empresa anterior: 10.000, 00 MT da Velha Família (1.000,00 MT, hoje).


No dia 6 de Maio do ano de 1996, o general na reserva Alberto Joaquim Chipande constitui, com Raimundo Maico Diomba (actualmente governador provincial) e Isabel Maria Verde, a «ROMOCA – Rovuma Madeiras de Cabo Delgado, Limitada». Sessenta mil meticais (60.000,00 MT da Velha Família), foi o capital inicial da «ROMACA» que tem como objecto social, o “abate e transformação de madeira com vista à comercialização nos mercados externo e interno”.


Como informação adicional publicitada no «Boletim da República» de 14 de Agosto de 1996, na introdução também aparecem como sócios os cidadãos José Carlos Verde Bráz e Guilhermino Gouzalez Teixeira.


Ainda em 1996, Chipande junta-se à «Moçambique Holdings, Limitada» e formam a «Agro-Indústria de Cabo Delgado, Limitada». Para a época o capital social é de deixar boquiaberto qualquer um e espantar qualquer moçambicano: apenas (!) 3.000.000.000,00 MT (três biliões), ou seja, actuais três milhões (3.000.000,00 MT) da Nova Família, em moeda corrente (1 USD=29,50 MT).


O objecto social desta última empresa é, entre outros, o “Desenvolvimento da indústria de exploração do capim, comercialização e desenvolvimento da cultura do caju”.
Depois de um interregno de três anos, conforme apurou a investigação do «Canal de Moçambique», o general Chipande volta às sociedades em 1999. Desta feita na área dos transportes, formando, com Carlos Adolfo Capellato, o «Grupo Mecula, Limitada».
Esta empresa que tem como objecto social “Transporte de mercadorias; Turismo; Distribuição de combustíveis...” e tem como capital social 2.400.000,00 MT, actualmente 2.400,00 MT.

No ano seguinte, o general Chipande, que foi o primeiro ministro a exercer a pasta da Defesa num governo de Moçambique independente, que por sinal cantava que “nossa Pátria será túmulo do capitalismo e da exploração”, associa-se a Valige Tauabo e constituem a «CIST, LDA - Consultoria, Imobiliária, Investimento, Serviços e Turismo», tendo como capital social 1.565.000,00 MT, ou seja actuais 1.565,00 MTn. O objecto social desta empresa é “desenvolver consultorias em áreas de auditoria, gestão, marketing, construção civil...”.

Caso para dizer, vale a pena viver a política e ao mesmo tempo questionar se um indivíduo com tamanhos interesses empresariais não pode levar o rótulo de “empresário”.
Os factos parecem indiciar que tinha razão Ahmed Sekou Touré quando disse: “metam-se na política, o resto vos será dado por acréscimo”.

- Contradiçoes dos “Camaradas”.
A STV quis saber de alguns dos pares de “primeira hora” de Chipande se estavam de acordo com as declarações do seu velho camarada. Quiseram saber, mais concretamente se concordavam que é legitimo ser rico só pelo facto de “terem libertado a pátria”. Dito de outra maneira: Chpipande defende que pelo facto de ter ajudado a libertar o País agora tem direito a ser uma espécie de dono da terra e dos outros homens. O que pensam os seus “camaradas”.


Jorge Rebelo, um dos questionados e, hoje tido na contra-mão da ideologia vigente no partido Frelimo, disse que os propósitos da luta não eram esses que Chipnade agora defende.
Entretanto, já Mariamo Matsinhe acredita que “Ele (Chipnade) foi mal compreendido”. Já Sérgio Vieira, a quem o falecido e reputado jornalista Miguéis Lopes Júnior, chamava, nos seus artigos, de “coronel das beatas” lembrando as “torturas” nas masmorras sob seu comando, entrou no mesmo diapasão de Matsinhe ao concordar que Chipande terá sido mal entendido pelo opinião pública. Serve de referência dizer que Sérgio Vieira, juntamente com Jacinto Veloso e outros, subscreveram um documento várias vezes reportado neste e outros jornais, em que se assumiram como os mandatários de Samora Machel, e informarem ao país e ao mundo o fuzilamento de Joana Simeão, Uria Simango, Lazaro Nkavandame, e muitos outros.""- (Luís Nhachote) - CANALMOZ - 21.08.2009, transcrito do "Moçambique para Todos".

3/11/09

Soldados Portugueses mortos em África... Portugal promete reabilitar suas sepulturas.

(Imagem original daqui)

Por ter presenciado a realidade e factos tristes da guerra colonial portuguesa dos anos 60/70 em África onde inúmeros amigos e "camaradas de armas" pereceram sob ataques sempre traiçoeiros e covardes de terroristas, e que ficaram enterrados em diversos cemitérios das ex-colónias, venho acompanhando e destacando também neste blogue o descaso, a omissão infame das autoridades portuguesas ao longo do tempo, pois simples e vergonhosamente "esqueceram" seus heróis mortos na guerra colonial.

Entretanto, a sociedade lusa organizada em "grupos" atuantes de ex-combatentes, suas famílias e amigos, hoje participantes da globalização da informação e utilizando-se da penetração da internet junto da opinião pública mundial vêm ampliando protestos e exigindo cuidados, respeito e dignidade para com a memória e honra desses Heróis que não esquecemos enterrados em cemitérios distantes de sua Pátria de origem. O que está trazendo resultados de tal forma que acabo de ler aqui:

""11 de Março de 2009, 14:57 - Moçambique: Portugal vai reabilitar cemitérios militares nos PALOP - CEMGFA.

Portugal reabilitará, em breve, os cemitérios militares em Moçambique, Angola e Guiné-Bissau, no âmbito de um projecto de preservação e valorização de sepulturas de ex-militares portugueses que morreram na guerra colonial.

Em declarações hoje à Lusa, o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA) português, Valença Pinto, afirmou que Portugal está a preparar projectos de restauro de cemitérios militares nos Países de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), com destaque para Moçambique, Angola e Guiné-Bissau.

"Estamos agora a preparar projectos para recuperar cemitérios em Moçambique, na Guiné-Bissau e temos entendimentos crescentes com as autoridades angolanas para fazer o mesmo. E temos depois cemitérios mais pequenos e, porventura, mais fáceis de conservar em Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste", disse Valença Pinto.

O CEMGFA, que iniciou terça-feira uma visita de cinco dias a Moçambique, prestou hoje homenagem aos militares portugueses enterrados no cemitério de Lhanguene, em Maputo, e destacou a "preocupação" portuguesa em reabilitar as suas sepulturas.

"Mas estes (cemitérios) de Moçambique, Guiné-Bissau e Angola, que são maiores, por razões históricas que já são conhecidas, justificam a nossa preocupação no respeito pela dádiva desses homens que morreram pela bandeira portuguesa", acrescentou.

O projecto de preservação e valorização dos cemitérios está a cargo das Forças Armadas, através da Liga dos Antigos Combatentes de Portugal, e é descrito como sendo "muito ambicioso".

O CEMGFA afirmou contudo que, por enquanto, o objectivo das Forças Armadas portuguesas restringem-se a conservação dos cemitérios militares e afastou a possibilidade de transladar os corpos dos soldados para Portugal.

"É um processo muito complexo o projecto de remoção e transladação de corpos de portugueses sepultados em cemitérios militares portugueses nos PALOP, pois já passaram 34 anos desde a independência destes Estados africanos", disse.

"Fazer remover estes corpos todos é um projecto muito custoso de ponto de vista financeiro", frisou.

Actualmente, algumas famílias ou pequenas comunidades portuguesas a que esses antigos militares pertenciam têm suportado individualmente os custos de transladação dos restos mortais para Portugal.

"Apesar da comparticipação de Portugal, não há, neste momento, nenhum projecto do Estado nesse sentido (transladação), ao contrário, o projecto de Estado é preservar os locais onde estão esses corpos", disse Valença Pinto.

Além de se deslocar ao cemitério de Lhanguene, o CEMGFA encontrou-se hoje com o seu homólogo moçambicano, Paulino Macaringue, e com o ministro da Defesa moçambicano, Filipe Nyussi, com quem discutiu a cooperação bilateral, considerando-a "muito frutuosa no interesse dos dois países".""
- MMT. - Lusa/SapoNotícias.


  • Outros post's deste blogue sobre a guerra colonial na antiga África portuguesa e seus combatentes - Aqui e Aqui!

11/21/08

O regresso dos soldados mortos...

A notícia pura e simples, publicada esta manhã de sexta-feira pelo Jornal de Notícias - Porto:

Mortos na guerra colonial resgatados 42 anos depois - S. Miguel do Outeiro enterra restos mortais de dois soldados que lutaram em África. - 00h30m, Teresa Cardoso.

Dois soldados de S. Miguel do Outeiro mortos em combate, em 1966, vão ser finalmente trasladados dos cemitérios de Mueda e Nova Freixo, em Moçambique, para a terra natal. Serão sepultados no dia 14 de Dezembro.

As famílias do 1º Cabo Aníbal Rodrigues dos Santos e do Soldado Ernesto Correia Dias, nascidos e criados em S. Miguel do Outeiro, concelho de Tondela, nem querem acreditar que o "nó" que lhes "aperta" o coração há 42 anos está prestes a "desatar-se".

"Trazer os restos mortais do meu irmão para casa, para a terra onde nasceu, é um sonho que está à beira de concretizar-se. Só é pena que os meus queridos pais já não estejam entre nós para um derradeiro adeus. Morreram com aquele filho, que nunca mais viram, atravessado no peito", diz Franklin Santos, irmão do 1º Cabo Aníbal, com a voz entrecortada pela emoção.

O mesmo sentimento é partilhado por Armando Dias, irmão do Soldado Ernesto Dias, que conta os dias e as horas que faltam para a mãe de ambos, hoje com 87 anos, poder finalmente despedir-se do filho que um dia viu partir para a guerra colonial.

"Éramos cinco. Mas nenhum de nós conseguiu apagar o sofrimento e a saudade dos nossos pais pelo filho que morreu em Moçambique. Agora vamos ter um sítio para pôr flores de saudade", desabafou.

Cerca de três mil militares que morreram em combate ficaram sepultados nas antigas colónias.

Trazer os seus corpos para a terra natal, era um gesto só ao alcance dos ricos. "Até 1968 pediam 13 contos, na moeda antiga, para transladar os restos mortais. Uma fortuna que as famílias mais humildes não podiam suportar", explica Moreira Marques, presidente da Junta de Freguesia de S. Miguel de Outeiro.

A liderar o processo de trasladação, a pedido dos familiares, o autarca admite que essa tarefa custará muitos milhares de euros. Despesa que será assumida pelas famílias, com a ajuda de particulares, Junta de Freguesia, Câmara de Tondela e outras entidades.

Moreira Marques parte para Moçambique a 30 de Novembro. Regressa a 13 de Dezembro com as ossadas dos dois militares, em caixões de chumbo, que serão enterradas pelas 11 horas do dia seguinte, no talhão dos combatentes, no cemitério de S. Miguel do Outeiro.
- In Jornal de Notícias, 21/11/08.

Volte a ler:
  • Combatentes mortos na guerra colonial: ignorados, desconhecidos, desprezados... Aqui!
  • O Desprezo pela História - Cemitério de Pemba-Talhão Militar Português - Aqui!
  • O Desprezo pela História 2 - Cemitério de Pemba - Talhão Militar Português - Sepulturas de Combatentes abandonadas - Aqui!
  • O Desprezo pela História 3 - Cemitério de Pemba - Talhão Militar Português - Sepulturas de Combatentes Portugueses - Aqui!
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  • O lado bom e respeitoso da História - Talhão Militar Britânico do Cemitério de Pemba - Aqui!
  • O lado bom e respeitoso da História 2 - Talhão Militar Britânico do Cemitério de Pemba - Aqui!
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  • Moçambique - Guerra do Ultramar - Aqui!
  • Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra - Aqui!
  • Portugueses exigem do governo a volta dos restos mortais de seus soldados mortos e abandonados nas ex-colónias... - Aqui!

9/24/08

Portugueses exigem do governo a volta dos restos mortais de seus soldados mortos e abandonados nas ex-colónias...

(Clique na imagem para ampliar)

Em 10 de Junho passado, (Belém -Lisboa - Portugal) as cruzes e urnas de madeira mostravam os nomes dos militares que morreram em Angola, Moçambique e Guiné e cujos corpos (milhares) nunca foram devolvidos às famílias. Os ex-combatentes pedem que os camaradas tombados regressem a casa. (Reportagem do Correio da Manhã/Junho-08 - Aqui!)
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Entretanto, o Movimento Cívico de Antigos Combatentes diz:
”Portugal vive uma vergonha colectiva desde há 34 anos, ao ter abandonado muitos dos seus mortos da guerra do Ultramar, deixando-os espalhados por locais indignos da Guiné, Angola e Moçambique. Foram deixados para trás, esquecidos por todos os governos desde a Revolução de Abril”... (Leia a matéria na íntegra neste post da "Rádio Douro Sul" de Lamego - Aqui!
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E, na net vamos encontrando mais link's e matéria sobre este lamentável assunto que tarda para ser resolvido, não enobrece a nação portuguesa (quem a governa principalmente) e envolve em sofrimento emocional imensas Famílias de Heróis que continuam tendo seus restos mortais abandonados, sem cuidados, e essa é a realidade, em precários cemitérios das ex-colónias:

  • Informações sobre o Movimento Cívico de Antigos Combatentes - Aqui!!


  • Petição pelo resgate, para Portugal, dos militares mortos na Guerra do Ultramar/Guerra Colonial - Assine a petição na net - Aqui!


  • Ou clique na imagem abaixo e assine:

Petição para o Resgate para Portugal, dos Militares Mortos na Guerra do Ultramar/ Guerra Colonial. Pfvr. Clica e assina. OBRIGADA.
:: Imagem editada por Isabel Filipe do "Art & Design", blogue divulgador da petição na net ::
Volte a ler:

  • Combatentes mortos na guerra colonial: ignorados, desconhecidos, desprezados... Aqui


  • Regresso dos soldados mortos divide combatentes - Aqui!


  • O sangue e os Mortos - Aqui!


  • O Desprezo pela História - Cemitério de Pemba-Talhão Militar Português - Aqui!


  • O Desprezo pela História 2 - Cemitério de Pemba - Talhão Militar Português - Sepulturas de Combatentes abandonadas - Aqui!


  • O Desprezo pela História 3 - Cemitério de Pemba - Talhão Militar Português - Sepulturas de Combatentes Portugueses - Aqui!


  • O Desprezo pela História 4 - Cemitério de Pemba - Talhão Militar Português - Sepulturas de Combatentes Portugueses - Aqui!


  • O Desprezo pela História 5 - Cemitério de Pemba - Talhão Militar Português - Sepulturas de Combatentes Portugueses - Aqui!


  • O lado bom e respeitoso da História - Talhão Militar Britânico do Cemitério de Pemba - Aqui!


  • O lado bom e respeitoso da História 2 - Talhão Militar Britânico do Cemitério de Pemba - Aqui!


  • O lado bom e respeitoso da História 3 - Talhão Militar Britânico do Cemitério de Pemba - Aqui!


  • O lado bom e respeitoso da História 4 - Talhão Militar Britânico do Cemitério de Pemba - Aqui!


  • Cemitério de Palma - Cabo Delgado - Moçambique - Aqui!


  • Moçambique - Guerra do Ultramar - Aqui!


  • Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra - Aqui!

8/26/08

Ex-Combatentes do Ultramar - Ignorados, desconhecidos, desprezados e agora também abandonados!

(Clique na imagem para ampliar. Imagem original daqui.)
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Envolvido por uma juventude vivenciada em Pemba-Moçambique-colónia, recebo diáriamente o news letter de um portal - "Guerra do Ultramar" onde se fala e tenta manter viva a memória e a HISTÓRIA de muitos heróis de uma guerra acontecida no ex-ultramar português até Abril de 1975.
Normalmente, as nações, colocando de lado ideais políticos de esquerda ou direita, reverenciam, homenageiam, respeitam, prestigiam e acarinham com destaque, porque são exemplos que honram, enobrecem e fazem parte da HISTÓRIA, seus ex-combatentes, seus heróis sofridos, mutilados, arruinados psicológica e fisicamente, quando vivos, assim como cuidam das campas e protegem as famílias dos que morreram com glória e coragem em defesa da Pátria.
Lamentávelmente, parece que isso não vem acontecendo no Portugal de agora, onde, segundo leio e vejo no portal referido acima e na reportagem do passado dia 10 de Agosto do diário português "Correio da Manhã" que transcrevo em parte devido à extensão do texto, mas que poderá ser lido integralmente aqui, os heróis portugueses da antiga guerra do ultramar vivem o presente do culminar de suas vidas, nas ruas da amargura e do abandono que envergonha e humilha. Pois aqui fica:
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10 Agosto 2008 - 00h00 - Ultramar - A luta na rua.
Ser sem-abrigo é estar na condição de alguém que esgotou todos os recursos para resolver as vicissitudes da vida. É uma luta inglória que cerca de 200 veteranos da Guerra do Ultramar vivem hoje, apesar de a esta terem sobrevivido. Vale-lhes a caridade.
É preciso coragem para viver duas guerras: a de ter combatido no Ultramar e a de ser sem-abrigo. Deitado colado à montra do posto dos Correios da rua dos Caminhos de Ferro, junto a Santa Apolónia, Lisboa, repousa um antigo primeiro-cabo na Guerra Colonial hoje sem morada para receber correspondência. José Freitas foi obrigado a defender a pátria em Angola. Como ele, combateram cerca de 1,2 milhões de efectivos, dos quais 700 mil estão vivos. Quase dez mil morreram em batalha e têm os nomes inscritos no Monumento ao Combatente, perto da Torre de Belém. Regressaram 30 mil com o corpo ferido, deficiente. Pela cabeça de metade passam traumas e stress de guerra. Estima-se, por fim, que 200 sejam sem-abrigo – mas quem cuida destes?
Todas as noites há rondas da Comunidade Vida e Paz – e de outras instituições – na rotina dos sem-abrigo de Lisboa. Por ser Verão basta um saco-cama para enrolar José Freitas.
'Vim parar à rua porque sou da rua', diz, emocionado. 'Não tenho rendimento mínimo, não tenho nada. O que tenho é de arrumar carros.' O seu corpo está visivelmente debilitado. Muito magro.
'A única memória que tenho da guerra é que fui para a mata no Toto. Estive ali 17 meses até que saí para Luanda onde ia embarcar, mas fiquei lá sete meses', recorda, levantando a manga para mostrar a tatuagem. As suas palavras são vagas. E estas são as curtas memórias que se podem ouvir de José quando fala deste período da sua vida, entre 1972 e 74. 'Não sofro com nada, só que gosto de andar sozinho. Tenho muitos amigos – e aponta para os dois sem-abrigo ao seu lado – só que, às vezes, gosto que não falem comigo' – afirma. Depois, confessa que 'antes de ir para a tropa não era assim'. Dizem os técnicos que o acompanham que nos últimos dez anos se tem degradado física e emocionalmente – é o alcoolismo.
Não é fácil fazer com que um sem-abrigo conte o que se passou na tropa. António Bengaló, 63 anos, era o soldado 33 446 em Moçambique. Embarcou em 1965 e regressou, precisa, a 14 de Março de 68. 'A mágoa que sinto é uma coisa muito íntima. Acredito que haja muitos [ex-combatentes] que se façam de malucos só por interesse.' Mas este não aceita essa ‘alcunha’. 'Estive um ano na Zambézia. Não havia lá guerra nenhuma. No Sul havia a chamada guerra subversiva e no Norte é que já havia zona de combate. Quando fui para aí lembro-me de um rapaz que era alcunhado de ‘Alho’ – até parece que o estou a ver – e havia outro rapazola perto de nós que com um estilhaço na garganta morreu aos meus pés...'
As pernas de António já fraquejam. Garante que não é alcoólico e que só ganha 180 euros do Rendimento Social de Inserção. Servem para pagar o quarto. Alimentação é o que lhe vai aparecendo com o apoio aos sem-abrigo. 'Já sei que não sou desprezado.' Pelo menos diz isso porque exclui a família. Da mulher divorciou-se e 'os filhos aproveitam a deixa para ser livres e, depois, o velho não presta para nada.' Da profissão de dourador (trabalho com peças antigas de sacristia) e, depois do 25 de Abril, de pintor da construção civil, ainda não recebe qualquer reforma... ...
- A reportagem na íntegra no "Correio da Manhã"!

  • Guerra do Ultramar: Guerra na Rua - Aqui!


  • Combatentes mortos na guerra colonial... - Aqui!


  • retornados de África; A mancha que não se apaga - Aqui!

E, é bom lembrar aos "senhores do agora", que a HISTÓRIA se fará. E não perdoará quem não a respeita nem honra!

4/07/08

Combatentes mortos na guerra colonial: Ignorados, desconhecidos, desprezados...

(Imagem original daqui e daqui - Clique na imagem para ampliar)
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Mais um aniversário do 25 de Abril de 1974 se aproxima.
Muitos anos se passaram desde essa data...!
Quase uma geração!
A conveniência comodista, inerme, do "políticamente correto" destes "novos tempos" repletos de estranhas, burlescas e saltitantes figuras que se pavoneiam e "metem" a "jet-set" eternamente insignificantes liderando fúteis eventos, não os cita, não os lembra, não os reconhece nem os visita... Despreza simplesmente os heróicos, inocentes, ingénuos, voluntariosos Combatentes da malfadada guerra colonial que lhes foi oferecida como missão pátria e enterrou vidas jovens, determinadas, que poderiam ser felizes, em buracos de terra vermelha, agreste, estranha, distante do rincão natal.
Por lá, por essa África distante e próxima, irmã e madrasta, permanecem até hoje abandonados, sem o afago de uma oração Amiga, sem o brilho iluminado de uma vela cristã, sem o calor e a côr de uma rosa ou de um famigerado, emblemático cravo vermelho, peregrinando acusadores em espírito, na memória de familiares e de sobreviventes camaradas da armas angustiados, revoltados com tanta mediocridade moral, cívica contemporâneas.
Por Angola, pela Guiné, por Moçambique e até por Pemba-ex Porto Amélia ficaram enterrados seus restos mortais, ao relento gélido do desprezo, como mancha medonha, sangrenta, acusadora, denunciadora da míngua de consciências e de lideres políticos com "h" minúsculo no "reino" lusitano do Agora !
Só nos resta, com a arma da palavra, enaltecer, exaltar para a História, acarinhar a memória desses Heróis... e desprezar, denúnciar, repudiar com vigor os falsos, apagados, medíocres, auto-proclamados "heróis-de-barro" que por aí se vão reproduzindo como térmitas insaciáveis, inchadas e arrogantes.
  • Leia: Regresso dos soldados mortos divide combatentes - Aqui !
  • Leia: O sangue e os Mortos - Aqui !
  • O Desprezo pela História - Cemitério de Pemba-Talhão Militar Português - Aqui !
  • O Desprezo pela História 2 - Cemitério de Pemba - Talhão Militar Português - Sepulturas de Combatentes abandonadas - Aqui !
  • O Desprezo pela História 3 - Cemitério de Pemba - Talhão Militar Português - Sepulturas de Combatentes Portugueses - Aqui !
  • O Desprezo pela História 4 - Cemitério de Pemba - Talhão Militar Português - Sepulturas de Combatentes Portugueses - Aqui !
  • O Desprezo pela História 5 - Cemitério de Pemba - Talhão Militar Português - Sepulturas de Combatentes Portugueses - Aqui !
  • O lado bom e respeitoso da História - Talhão Militar Britânico do Cemitério de Pemba - Aqui !
  • O lado bom e respeitoso da História 2 - Talhão Militar Britânico do Cemitério de Pemba - Aqui !
  • O lado bom e respeitoso da História 3 - Talhão Militar Britânico do Cemitério de Pemba - Aqui !
  • O lado bom e respeitoso da História 4 - Talhão Militar Britânico do Cemitério de Pemba - Aqui !
  • Cemitério de Palma - Cabo Delgado - Moçambique - Aqui !
  • Moçambique - Guerra do Ultramar - Aqui !
  • Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra - Aqui !

10/16/07

Guerra Colonial em África - Série documental «A Guerra» estreia terça-feira na RTP1.

Vem sendo anunciada com destaque esta série documental «A Guerra», realizada por Joaquim Furtado sobre o período da guerra colonial - que estreia terça-feira (16 - hoje - 21:00 após o telejornal) na RTP1.
O documentário, que percorre de forma cronológica 13 anos de conflitos nas antigas colónias portuguesas, resulta de uma «pesquisa bastante aprofundada com recurso a muitas fontes para dar uma visão global dos acontecimentos», explicou Joaquim Furtado à Agência Lusa.

Detalhes poderão ser lidos nos "Jornal de Notícias", "Correio da Manhã" e "Diário Digital".

Segundo o portal "Moçambique - Guerra Colonial", na passada noite de 15 de Outubro/07, o programa "Prós e Contras" da RTP1, moderado pela jornalista Fátima Campos Ferreira, debateu o tema sem a participação da maioria dos ex-combatentes que vivenciaram essa guerra.
Em sequência, o mesmo portal abrirá espaço aqui para que ex-combatentes se pronunciem, elogiando ou criticando tal debate.

Resta-nos aguardar que os primeiros nove episódios, com cerca de uma hora cada, que vão ser exibidos na RTP1 até ao final do ano a partir de hoje, retratem, contribuindo para a História, a verdade da guerra colonial com imparcialidade e sem emoções políticas.

Esperemos para ver...

4/08/07

Cabo Delgado - FLORESTA DE SANGUE.

1971. Moçambique/Norte. Manhã de cacimbo fresco. Folhas de cajueiro velho, perdido na mata, choram gotas de orvalho na picada estreita de matope enrijecido pelas tardes quentes. Perto, aves sinistras lançam, a espaços, silvos irritantes por entre centenários embondeiros.
Nada mais se ouvia ao redor. A noite acabava fria, silenciosa e calma, não fora uma gazela atrevida infiltrar-se, em desenfreada correria, cortando o círculo, por entre as três dezenas de fardas negras que, em alvoroço, viram o seu fraco repouso interrompido, num bater de coração mais forte, num aperrar de armas tão nervoso quanto inesperado.
Era um novo dia que rompia, um novo dia que até nem contava. Era só mais uma data, apenas, para rapazes já homens, a quem o dever não permitia calendário de vida. O de morte também podia servir para a contagem indiferente de uma manhã que surge numa floresta sem horizonte.
O Comando havia sido claro na ordem que transmitira. Aquele grupo de homens, fracção duma força de combate estacionada algures no Norte de Moçambique, teria por missão interceptar um grupo inimigo, fortemente armado, que dias antes atacara e saqueara um aldeamento de nativos. O resto era com eles. A zona conheciam-na bem, os perigos não contavam e o medo não era o melhor conselheiro para quem queria conservar a "pele" naquela guerra traiçoeira onde, por vezes, era imperioso "dar" primeiro.
O alferes Carrilho que, com dois furriéis e enfermeiro eram os únicos europeus entre homens de rostos bronzeados, nados junto ao Índico, dava as últimas instruções ao grupo, antes da partida para o terceiro dia de marcha. Os sacos de campanha, acomodados sobre as fardas húmidas e sujas, haviam já sido aliviados de algumas latas de conserva de porco, gordurosas, que só o negro Manjate, fruto recente das Missões cristãs, comia. Os outros, por Alá, nem cheirá-las...
Mais leves, olhos já lavados no orvalho do capim alto, em fila espaçada, aproximavam-se já dum trilho batido, detectado na véspera pelo pisteiro Capoca, um recuperado à Frelimo, a que nada escapava. Por isso, lhe chamavam "o Perdigueiro".
Ali mesmo fora decidido montar a emboscada. O inimigo, com o saque e elementos da população raptados, poderia escolher aquele itinerário para a retirada mais para norte, para recônditos e mais seguros refúgios, em região onde se pensava estar implantada a Base Manica.
E, quando os cortantes raios de sol tropical já rasgavam as copas frondosas do arvoredo, os homens de negro, espalhados por entre os arbustos, aguardavam silenciosos. Esperavam na incerteza....mas esperavam. Afinal, aquela até era uma guerra de espera.....espera de um final que tardava em acontecer e o último capítulo daquela rude aventura de anos era uma assustadora incógnita....O silêncio doía muito! Aquele "silêncio" era duro! Via-se no rosto do comandante. Ele próprio preferia gritar bem alto. Ouvir o eco da sua voz lançado pelos rochedos soltos. Queria gritar que não queria a guerra, mas que não tinha medo. Talvez para assustar esse mesmo medo. Queria não pensar em nada, automatizar-se, mas aquele marasmo de silêncio, que já durava horas, punha-lhe o cérebro mais desafinado que a barulhenta fanfarra do Batalhão.
Nada mais aconteceu naquele dia que desse outra cor àquele quadro vivo de corações enervados.
Com o cair da tarde, o alferes incumbe o Ferreirinha, um baixinho furriel europeu, quase no fim da comissão, da retirada para pernoita. Impunham-se cuidados especiais neste "mudar de sítio": o local onde haviam pernoitado na véspora não servia. Nem em tal pensar! "Por o periquito nunca mudar de ninho é que lhe roubam os filhos", dizia o Ubisse, um homenzarrão negro que não largava a metralhadora mais pesada do quartel.
E foi afastado da zona, o novo local de pernoita que, afinal, não era diferente: as mesmas árvores, o mesmo pouco céu, a mesma terra seca, os mesmos pássaros e, até, os mesmos semblantes sofridos do pessoal.
- Meu alferes, isto já não dá nada! Quase não há ração, a água é pouca e os "turras" já passaram por outro lado!
Este era o estribilho do enfermeiro Correia, um dos poucos europeus do grupo. Estribilho que, mais uma vez, ensaiou aos ouvidos do Carrilho, já habituados aos alvitres conselheiros do cola-adesivos lá da malta.
E, quando o alferes lhe retorquiu não se poder retirar sem a certeza de que o inimigo havia passado para norte, lá foi o Correia, coçando o barrete salpicado de mercúrio, embrulhar-se por entre as ligaduras e bebericar a água a que ele, para desinfectar, dizia, juntava álcool. Só que o mordaz Sacura afiançava que o Posto de Socorros estava quase todo na barriga do Correia!....Eram já 10 da manhã do outro dia. Mais cinco horas eram já passadas daquele dia em nova espera. De novo o silêncio, de novo a quietude ansiosa de outra emboscada junto trilho adversário.
- Isto é demais, meu alferes! Que se lixem os turras! Já nem água tenho, quan do é que isto acaba? –sussurrava interrogativo o furriel Bazuca, um minhoto novato, dois meses antes largado pelo Niassa naquelas longínquas paragens.
- Estabelece ligação rádio com o Comando, que eu quero falar com os gajos! – balbuciou o Carrilho, também já preocupado com aquela situação nada agradável.
E foi de abatimento o encolher de ombros agitado e discordante do grupo, quando se espalhou a resposta do oficial de operações.
- Porra, mas quando é que a malta atinge o Rio Montepuez? Em vez de irmos para o Messalo onde eles se acoitam, vamos para sul? E se não encontrarmos água até lá? E o que vamos comer amanhã se a ração está a acabar?
Ninguém respondeu ao Correia, de novo a espalhar pessimismo, qual Velho do Restelo das selvas africanas.
Mas a ordem era para cumprir, estava acima de qualquer desabafo, era superior a qualquer dúvida ou rezinguice do pessoal. E, bem no íntimo, eles tinham a noção disso, mas aquelas "bocas" descontraíam e davam as energias que iam faltando.
Estava prometido o abastecimento hélio para a tarde do outro dia. Viriam mais umas caixas de alimentação pré fabricada.... A água, só por sorte se encontraria, a não ser quando atingissem o rio, para sul, razoavelmente caudaloso e onde, na anterior operação, o Capoca havia colhido um bom Kg de camarão. Ricos rios que até camarão davam! A malta até se imaginava os balcões da Portugália.....
A progressão era lenta, por perigosa. Por vezes, a indicação do "cinco" da frente, periodicamente rendido, o grupo abria em linha, metade para cada lado do trilho inimigo que seguiam, não fosse uma rajadas traiçoeiras, por detrás de um tufo de vegetação mais denso ou de uns rochedos soltos, surpreendê-los. Para triste e doloroso exemplo chegara o que, dias antes, acontecera ao alferes Marques, um jovem quase formado em Medicina, que se vira privado da perna direita, quase esfacelada.
Este tipo de avanço era difícil, mas necessário, e retardava um pouco o andamento que, em tais circunstâncias, não chegava aos dois Km. por hora.
Eram já duas da tarde. O sol, na vertical, jorrava vagas de calor inclemente sobre os corpos suados. O Ferreirinha largava imprecações minuto a minuto, quando uma aborrecida micose lhe ardia ao roçar as calças de caqui... e o sacana do Correia só levava mizórdias... acusava o furriel.
De repente, tudo pára. Num movimento sincronizado, qual grupo de bailado rítmico em estreia no Olímpia, todos se deitam, sem ruído, indicador a tremelicar, hesitante, junto ao gatilho. Mas não soaram tiros. O passa-palavra chegou depressa aos últimos homens que, já levantados, sorriam: uma jibóia, que mais parecia o tronco de uma umbila, atravessara-se no trilho, pachorrenta e indiferente a tantas espingardas.
- Mata-se, meu alferes? – perguntou o Ambasse, um maconde esguio, especialista em liquidar cobras daquela envergadura, arrastando-as vários metros pela cauda, com o auxílio de um pau-forquilha.
Não satisfeito nas suas pretensões, ensaiou um esgar de desolação por entre as secas faces tatuadas e juntou-se ao grupo, que já recomeçara a progressão. A jibóia lá ficara, imperturbável, a digerir os restos de qualquer gazela azarenta.
O sol já declinava. Não sendo viável atingir, ainda de dia, o Rio Montepuez, objectivo que, no momento, os movia, com as calças a balançarem largas e soltas debaixo das cartucheiras pesadas, pensou-se em calar o estômago contraído. Não tinham aqueles homens, já bastante identificados com a vida no mato e com os perigos que lhe eram inerentes, por hábito tomar a última refeição, ligeira, no local da pernoita. O Carrilho sabia bem quanto lhe tinha custado, um ano antes, livrar-se das carnívoras formigas a que, muito a propósito, apelidavam de "cadáver". Fora uma noite de sofrimento: os detritos, o cheiro das latas engorduradas, eram um tentador convite para aqueles bichinhos gulosos. E apareciam de todo o lado, como que chamados por batuque festivo ao banquete real que a carne odorosa da malta lhes oferecia.
Assim, havia que comer qualquer coisa antes de anoitecer e do descanso, pois impossível seria romper às escuras por uma selva tão fechada.
E foi nessa paragem que o alferes caiu num daqueles erros negligente, ele que não costumava facilitar em questões de segurança. Quando num trabalho de nomadização, em que se andava pelo mato em busca de indícios que levassem ao encontro do inimigo, mas ainda se não seguia qualquer pista, era natural que em qualquer lado se fechasse o circulo para a refeição. Não era este o caso, pois seguia-se um trilho que os guerrilheiros utilizavam. E a norma seria deixar metade da força emboscada junto àquele, enquanto o resto se afastava uma meia centena de metros. Passados uns dez ou quinze minutos, tempo suficiente para tragar umas sardinhas em azeite e umas quantas duras bolachas, haveria a troca do pessoal.
- Como a refeição tem de ser breve, comemos mesmo aqui. Manda abrir o circulo e avisa o pessoal para que se não demore. - E lá foi o apressado furriel Bazuca dispor os homens naquela roda rotineira que fazia lembrar o circulo das caravanas de caras-pálidas perante a iminência de um ataque de Apaches, que o faziam vibrar junto à caixa televisiva, na sua meninice não muito remota.
Foi, então, que um tiro seco soou. Seguiu-se um desordenado e barulhento pegar nas armas em repouso junto aos joelhos dos fardas-pretas, ocupados a esburacarem as latas da ração. Ouvidos atentos, olhos a girarem em todas as direcções, interrogativos, numa fracção de segundos.
De repente, o ar em volta é cortado por uma sinfonia macabra de tiros, rebentamentos e gritos de ordem que não se ouviam.
-UIO-MAMA! - E os homens levantam-se, de armas apontadas. O grito era o sinal já antigo que os elementos em confronto lançavam para avisarem os mais recuados que o inimigo debandava e era o momento de os perseguir. O pessoal da retaguarda cala as armas, enquanto a secção avançada continua a disparar sobre o adversário em fuga.
Foi breve a perseguição. Tinha que o ser quase sempre, quando os poucos guerrilheiros se dispersavam por entre a mata densa. Seguiu-se a batida em linha, para detectar armamento abandonado no confronto.
- Eu sabia que ela estava aqui, meu alferes! O gajo deve ir ferido, porque eu atirei-lhe num braço!.... - e o Jonange, com os dentes afiados por debaixo dos seus lábios espessos, sorria, exibindo uma "Simonov" ainda nova, oriunda do bloco soviético, o maior arsenal da Frelimo. Outros haviam, também se encontravam armas de origem americana e de potências ocidentais.
- O artista vai mesmo ferido, - dizia o ferreirinha, ao inspeccionar a semi-automática com umas gotas de sangue ainda fresco, ao longo da bandoleira de caqui.
Não eram mais do que cinco os inoportunos estraga-jantares, mas foram mais do que suficientes para agitar e desgastar, ainda mais, aquela trintena de homens já cansados.
Seguiu-se o afastar do local para o "estudo da situação" que o Carrilho costumava fazer nestas situações, não só para se inteirar dos pormenores do confronto, mas também para acalmar os homens ainda agitados, com o coração a bater forte e os ouvidos a repetirem, teimosamente, o eco da metralha.- Foram eles que deram o primeiro tiro, meu alferes. O Amisse estava levantado a afiar um pau para tirar o ananás da lata. Foi para ele que os turras dispararam.
- E porquê tanta demora a responderem? - interrogou o Carrilho, fitando o velho cabo negro, que fora caçador de elefantes lá para as serras do Niassa.
- Nós só os vimos quando voltaram a fazer fogo. Foi então que o Jonange começou a disparar sobre os gajos....
Já escurecia. O alferes estava desolado. Irritado mais consigo próprio por ter falhado daquela maneira de checa principiante, que já não era. Mas que raio de azar aparecerem logo naquela altura! E, pior ainda, não era o grosso da coluna inimiga que tinha por missão deter. Cinco homens seriam, ou uma guarda avançada ou, o mais provável, emissários enviados ao "quartel-general" da área, algures mais a norte, dando conta dos resultados do ataque ao aldeamento, ou na procura de remuniciamento, pois os guerrilheiros quando perpetravam qualquer ataque eram "generosos" no gastar de munições, que não podiam armazenar em grandes quantidades.
Mas tudo isto eram conjunturas falíveis.
- E se os tipos recuam e vão avisar os outros que estamos a tentar apanhá-los? Já não dou nada por isto! - desabafava o Ferreirinha, sem deixar de coçar a micose que naqueles momentos de tensão ainda mais o importunava.
- Não devem ir, meu furriel, - interrompeu o Capoca, com o seu ar de sabe tudo -, eles quando vão para qualquer sítio já têm combinado o local de encontro no caso de serem atacados. Separam-se agora na fuga, mas vão juntar-se lá mais à frente, para continuarem a marcha rumo ao seu inicial destino.
O Carrilho apostou nesta versão. Não só pelas provas de intuição guerrilheira que o "Perdigueiro" já havia dado, mas pelo facto de ter sido já combatente activo da Frelimo. E, vá-se lá saber porquê, era considerado "acima de qualquer suspeita"...
Não houveram baixas nos fardas pretas. Apenas uma camisa furada e um ligeiro arranhão nas costas do Amisse, onde o Correia já colocara mais um adesivo.
A noite marcou-lhes encontro quando já procuravam local próprio para mais um descanso. Não o foi muito, porque os nervos excitados ainda não haviam atingido o "rilex"; tão difícil de conseguir naquela guerra desgastante, nada convencional.
O outro dia seria mais complicado. A ração, em termos logísticos, já havia acabado, não obstante o pouco apetite do dia anterior e o "calo" de poupança do pessoal guardassem umas latas providenciais. A água é que molhava poucos cantis. Ma o rio seria atingido pela manhã e o reabastecimento "hélio", já prometido, era esperado à tarde.
- Falta muito para chegarmos ao Rio Montepuez? - pergunta o Ferreirinha, quando já tinham duas horas de marcha do novo dia, eram, então, seis e meia da manhã e o sol já raiava há muito por entre o arvoredo, agora mais verdejante e espesso, com o aproximar do rio tão desejado. E o Alberto, uma macua que vivera naquela zona, agora deserta, muitos anos, até que a guerra chegou, e onde tinha a sua palhota e uma grande machamba de mandioca, aponta para o céu sem nuvens e, indicando um ponto imaginário, respondeu ao ansioso furriel:
- Se não pararmos, quando o sol estiver ali, já estamos no rio.
Não foram muito enganadores os dados do velho cabo Alberto. Pouco passava das onze, quando o grupo atingiu a margem de vegetação densa e viçosa do tão familiar Montepuez. O trilho, que nunca haviam deixado de seguir, bifurcava-se ali e perdia corpo, para se transformar numa manta de abundantes pegadas, por entre o tufo de lianas entrelaçadas em árvores de copa larga.
Era aquele o local pretendido para a última tentativa de interceptar o inimigo no seu regresso de ataque ao aldeamento.
Para o Carrilho, que não deixando de respeitar, no essencial, as ordens que recebia, valia bem mais o seu objectivo pessoal e o melhor que se podia conseguir daquela missão era subtrair do controlo do inimigo os elementos da população por ele raptados no aldeamento e que, segundo indicação rádio, rondavam as 20 pessoas. Ele sabia que aquela gente não ia de vontade. Conhecia bem a realidade macua. Se fosse da sua vontade, oportunidades para se juntarem aos guerrilheiros da Frelimo não lhes faltavam, atendendo ao isolamento da aldeia, onde se dedicavam ao cultivo de produtos para sua subsistência e de rendimento, como o algodão e o caju. Os macuas eram pacíficos, queriam paz e não se deixavam aliciar pelos insistentes convites dos "mabandidos", como então chamavam aos guerrilheiros.
Daí as retaliações frequentes, caracterizadas por um vandalismo primário, pouco compatível com o alardear de intenções libertadoras que apregoavam. Daí, também, o desprezo, a raiva incontida que alimentava uma fogueira de vingança no peito daqueles negros fardados, que deram a algumas forças expedicionárias, exemplos de coragem e de luta interessada, passe a categoria de algumas tropas europeias de elite que se souberam bater com honra.
Por tudo isso, o esforço, o espírito de sacrifício, indiferente à sede e à fome, daquele grupo de fardas negras, preocupado, agora, no encher dos cantis, no refrescar dos corpos sujos naquelas águas transparentes dum rio que desliza em suave paz, alheio aos sentimentos de dor, de medo, de horror àquela guerra e seus terríveis efeitos, de homens que procuravam dentro de si mesmos justificação para uma guerra de irmãos que nunca haviam experimentado. Como acabá-la, como extirpar o ódio, como dizer basta?! Perguntas sem resposta.......
Mas, enquanto estas meditações ocorriam, tratava-se era de cumprir mais uma missão, mais uma peça duma engrenagem bem complicada e havia tão só que a desempenhar o melhor possível, com o profissionalismo a que o dever obrigava.
- A secção do Bazuca já está abastecida de água. Vou agora com o meu pessoal. - informava o Ferreirinha, enquanto o alferes, esticando a antena do Racal, tentava comunicar ao Comando a sua nova localização, atingido que fora o objectivo imediato. O restante pessoal, disposto em linha paralela ao leito do rio, tomava posições, não fosse surgir nova surpresa, enquanto uns vinte metros mais abaixo os outros se dessedentavam.
As três da tarde surpreenderam o Carrilho com o Bazuca e um grupo de cinco elementos a reconhecerem o local da emboscada, que até nem era muito apropriado: a vegetação cerrada, com ramos entrelaçados por sobre a margem do rio, apesar de abrigada e bem camuflada, tinha o inconveniente de não permitir ligação á vista entre o pessoal, mas tinha a vantagem de colher o inimigo na travessia do rio, com pé naquela estação, passe o razoável caudal de água corrente. Outras alternativas não eram mais viáveis.
-Apre, mas aqueles gajos passam por aqui? Esta porcaria está cheia de feijão macaco! - vociferava o Bazuca, enquanto se coçava aflitivamente. Aquele pó que as malvadas feijocas libertavam ao serem tocadas era mesmo demoníaco! Irritava bem mais que um bravo urtigal das Beiras. E o comichão não passava, sem que a pele ferida de arranhões fosse esfregada por providencial cinza de queimada recente. Era, naquela região, um dos maiores inimigos que a vegetação tropical lançava contra o homem.
- Os tipos têm a pele dura, não barram as orelhas com creme Nívea, como o meu furriel....-zombou o Correia, que não deixou de ir meter o espevitado nariz no breve trabalho de reconhecimento.
Vinte minutos depois já quinze homens estavam dispostos ao longo da margem, com o rio e o lado oposto à vista, numa linha que, por força da natureza do terreno, não teria mais que quarenta metros de extensão. Os restantes quinze ficaram recuados a uns trinta metros dos emboscados e tinham por missão fazer face a qualquer, pouco provável mas não impossível, aproximação do inimigo pela retaguarda.
Renderiam os outros duas horas depois e, no caso de surgir o grupo inimigo, ocorreriam para os flancos, em reforço do pessoal da frente.
Mas tudo começou pouco depois. O Inferno, numa aparição contraditória, abriu-se, abrasador, por entre as águas frescas do rio e passou-se a meia hora mais longa na vida destes combatentes, passe o facto de já estarem habituados a situações de confronto.
Aquela foi diferente, foi desumana, terrível!....
Haviam sido dadas instruções para que só se disparasse quando o inimigo surgisse em grande número, já dentro de água. Mas ele usava das suas cautelas. De início, só dois guerrilheiros entraram na água. O grosso da coluna aguardava em fila, do outro lado.
Não arriscavam de qualquer maneira. Os ensinamentos colhidos pelos chefes na China e URSS haviam sido bem assimilados. Viam-se os primeiros três estáticos, aguardando que os dois primeiros fizessem a travessia....
E não se sabe quem abriu as portas daquele inferno trovejante, quando aqueles divisaram o cano brilhante de uma G3 menos escondida. Quais molas de aço, atiraram-se em cambalhotas aquáticas, disparando sempre, até caírem atingidos dentro de água.
Foram as primeiras vítimas. Os outros recuaram, retomaram posições e despejaram sobre os quinze emboscados quantas armas traziam.
Seguiu-se um tiroteio intenso, medonho. Três bazucadas inimigas fizeram lume por cima das lianas esfaceladas, por sobre a cabeça do Ferreirinha. Os gritos confundiam-se com o rebentar constante das granadas que levantavam água fervilhante. Gritos de dor, à mistura com outros de incitação, davam àquele quadro incandescente um reflexo de luta e morte.
Os abutres não tardariam a esvoaçar sobre ele!...
O grupo inimigo era numeroso e aguerrido. Notara-se logo, aos primeiros disparos. Mas, se alguém tinha que abandonar o terreno, seriam os guerrilheiros. Eles sabiam-no e convinha-lhes por estratégia, mas a força do seu número e armamento davam-lhe inusitado ânimo de experimentarem o pulso dos fardas negras, talvez, também, para darem cobertura e tempo à retirada da escolta com a população raptada. Só eles sabiam......
- O morteiro, depressa! - grita o alferes, correndo por entre o capim ao encontro do apontador Zé João, um misto landim muito dedicado.
Era o último recurso. Quando a força inimiga era forte, insistente e bem armada, só o rebentar das granadas de morteiro 60 a podia desmoralizar. E, em catadupa, foram caindo na outra margem, com uma impressionante regularidade, dez granadas que elevavam por cima das copas, uma nuvem de folhem seca.
As armas ligeiras foram-se calando, pouco a pouco.
- Meu alferes, temos um morto. O Manjate já não tem vida.. - gaguejava o Correia, com o rosto lívido e os olhos desorbitados a jorrarem lágrimas envergonhadas, - também há feridos, mas ainda os não alcancei. Estão entre as lianas. Eu oiço-os...-e já corria com a caixa de medicamentos por entre o arvoredo.
O eco da metralha calara-se de vez. Só a vozearia excitada e os chamamentos aflitos, entrecortados por gemidos de dor, se ouviam.
Além da baixa do Manjate, atingido em cheio no peito por estilhaços de granada de bazuca, haviam mais três feridos, com alguma gravidade.
Já o furriel Bazuca, com o pessoal que acorrera aos flancos, atravessava o rio em corrida. Era a perseguição ao inimigo que se sabia levar feridos. Os dois mortos, tombados na água, lá contiuavam...
Os homens que sofreram o impacto directo do combate, reagrupavam-se sob a orientação do Correia; transportavam os feridos para local mais aberto e recuado. Um deles era o Ferreirinha, o veterano que, a dois meses do fim da sua comissão, gemia e jorrava sangue. A bala ficara-lhe alojada no antebraço. Talvez no osso.
- Já pedi a evacuação. Depois desta merda acabar, vamos directos à estrada de Macomia que fica mais próxima e, às nove horas, a Companhia de Muaguide tem viaturas para nos recolherem. Disse-lhes para não trazerem rações.....ninguém tem fome depois desta porcaria....
O Bazuca, com o pessoal empenhado na batida no outro lado do rio, tardava em aparecer. Mais do que o braço do Ferreirinha, o Carrilho notava a atrapalhação do Correia às voltas com o Ambasse, com um estilhaço de granada alojado na cabeça. O seu aspecto não era assustador, mas o enfermeiro sabia, por experiência, do perigo de tal ferimento. O braço do furriel, a que fora estancado o sangue, ia inchando assustadoramente. Não lhe faltava o ânimo, alimentado pelas palavras reconfortantes do Carrilho, mas não escondia a dor que começava a sentir, cada vez mais forte.....
Os olhares sofridos do pessoal evitavam o corpo do infeliz Manjate, coberto por um abafo de pescoço. Era a primeira mortalha de um negro jovem, que nunca deixava de estar nos locais mais perigosos da luta.
No emaranhado de sentimentos que assaltavam os seus camaradas, ainda não viera à superfície a dor profunda que os dominou, largo tempo, no perder dum companheiro de armas....
- Meu alferes, lá vêm os passarinhos! - informou o Amisse, apontando para os dois helicópteros vindos do horizonte baixo.
Aproximavam-se. Um pouco acima, um barulhento T6 dava-lhes protecção.
A clareira da retaguarda serviria para a aterragem, apesar do capim alto. Montou-se segurança e uma granada de fumo largou um espesso cogumelo.
- E o Bazuca que não vem com a malta! Se houverem feridos dos gajos ou da população raptada, não são evacuados!
Já se fazia tarde e a Força Aérea não faria evacuações nocturnas. Mas, de momento, interessava prestar assistência aos nossos feridos.
Não muito do agrado da tripulação, lá se conseguiu meter o Manjate, o primeiro morto dos fardas pretas desde que há cerca de dois anos o Carrilho os comandava. Teve que viajar no "hélio" com boletim de ferido. Teria um funeral mais digno e humano que aquele que, localmente (na base), lhe poderia ser oferecido.
E quando os helicópteros, barulhentos, se elevavam lá no alto, algumas lágrimas teimosas saltavam dos olhos de homens endurecidos no calor da selva e da metralha, de corações forjados na selva inóspita em fortes laços de cumplicidade. Mas eram homens, sensíveis como todos os outros....alguns bem mais ainda. Não eram mariquices aquelas lágrimas que lhes rolavam pelas faces....começavam a compreender o mundo, a vida, à custa de sofrimento e de morte. À custa de si próprios....
- Já chegaram ao rio. Trazem muita gente com eles! -avisou o Zé João, agarrado ao morteiro 60, que nem a dormir largava. E vinham mesmo. O Jonange trazia mais cinco armas que não eram as suas: três Kalascnicov e as duas Simonov molhadas que, entretanto, retirara do rio. O Ubisse, como se a sua pesada metralhadora lhe não pesasse, exibia duas granadas de bazuca. Outro maconde carregava com dois sacos de papéis e, com a habitual graça, ia informando, zombeteiro, que "os gajos queria montar no mato mesmo o gabinete do administrador....".
Com os últimos cinco homens, vinham, então, elementos da população do aldeamento atacado. Com eles haviam perdido grande parte do tempo, pois cada qual dos civis se esquivara para seu lado, ao soarem os primeiros tiros. Outros teriam mesmo fugido do local e tentariam, por certo, alcançar a aldeia donde haviam sido raptados.
Tal não acontecera ao filho duma velha negra, que chorava copiosamente: ao tentar subtrair-se à vigilância dos frelimos, fora abatido, de imediato.
Um velho, de peles secas, que diziam ser importante conselheiro do aldeamento, andava com muita dificuldade. Dos dedos dos pés, mordidos pelas micaias espinhosas, jorrava sangue a cada passo.
Não tinha descanso o Correia, naquele lúgubre fim de tarde.
- Os tipos eram muitos, meu alferes – diz o Bazuca, que , mal chegou da batida final, se encostou, hirto de cansaço, a um pequeno arbusto. -Diz esta gente -apontando para uma dezena de populares de ambos os sexos e variadas idades -que devem ser à volta de setenta. São oriundos de várias bases e só se reuniram para este ataque ao aldeamento do Longote. Além dos que tombaram no rio, encontrámos mais um, logo na margem, e outro já mais longe. Levam feridos, pois há rastos de sangue, devem tê-los carregado. Só lá estava este! - e de dedo em riste apontava para um maconde muito jovem, 16...17 anos, já sob os cuidados do enfermeiro. Não gemia, só lançava, a espaços. Gritos de dor. Tinha a perna bastante ferida, talvez pelo rebentamento de uma das granadas de morteiro.
- Temos de o carregar. Tratem de improvisar duas macas de ramos, pois o velho também não consegue andar e temos de atingir a estrada de manhã cedo. Vamos pernoitar mais à frente. O Alberto, que conhece bem a zona, ainda que nos vá custar, pode guiar-nos mesmo no escuro, para ganharmos algum tempo.
Foi, então, que parte dos fardas pretas começou a rodear o alferes, com um semblante estranho, a passos lentos mas decididos.
- Que quem vocês? Mexam-se que temos que arrancar daqui!...
- Nós queremos dizer-lhe que só carregamos o velho, meu alferes. O turra fica! Morto ou vivo, não interessa. Mas nosso não vai carregar com bandido que matou Manjate!
E travou-se um diálogo acalorado, nada agradável. O Carrilho olhava para o Bazuca, como que pedindo reforço de argumentos, mas aquele, ainda encostado aos arbustos, limitava-se a passar as mãos pelos cabelos desgrenhados....
- Vocês não sabem que é crime abandonarmos um homem ferido, seja quem for? Também gostavam que eles vos fizessem o mesmo? Guerra é guerra, mas o combate já acabou! – insistia o alferes.
- Eles fazem pior! Então porque é que os gajo quando apanha os milícia na picagem mata aqueles que ficam feridos nas armadilhas? Aquele meu primo Silale que ficou escondido na mata, não viu eles darem tiro na cabeça daquela gente?!- explodiu o Capoca.
- E meu alferes já esqueceu o que turras fizeram com seu primo cantineiro lá em Ancuabe, um homem que nem arma tinha e eles mataram junto com senhor Daniel do algodão, lá na estrada de Moja?! – observa o Zé João, num tom mais respeitoso, mas com mal contida raiva.
O Carrilho viu-se perante um dilema que não esperava enfrentar. Aquela atitude de quase insubordinação geral, perante a indiferença comprometedora do furriel e do Correia, tomava foros delicados, de indisciplina.
A muito custo, depois de lhes lançar o ultimato de que pediria para abandonar o G.E. logo que chegassem ao Quartel, caso a recusa de transportar o "turra" ferido, lá o foram carregando, contrariados e vociferando impropérios contra o frelimo que, afinal, era tão só mais uma vítima de guerra, de que pouca culpa também teria. E que, mais do que trazer no peito a ânsia de independência, mais não era do que um joguete de interesses internacionalistas e dos jogos de poder de altas potências.
E a abatida caravana arrancou daquele local sinistro, que ficaria gravado para sempre nas suas memórias.
Local de morte, de desolação, que poderia ser de trabalho e de paz.
Mais um pedaço de vida ficava ali perdido por entre lianas entrelaçadas que as balas raivosas cada mais desuniam.
No lodo das margens daquele rio ficavam enlameados bocados de almas de jovens que pretendiam conseguir o que, viu-se mais tarde, responsáveis não souberam respeitar, indiferentes aos sentimentos duma população que procurava fraternidade e entendimento.
Indignos do sacrifício de tantas vidas foram uns e outros. Uns por teimosia doentia, outros por incompetência e outros, ainda, mais recentes, por pressa e traição vergonhosas, quando decidiram ao total arrepio da vontade das populações.
FIM - Francisco José Branquinho de Almeida*
*O Autor - Francisco José Branquinho de Almeida - Cumpriu campanha militar atuando no Grupo Especial (GE) 201, no tempo de Moçambique colónia, como ex-Furriel Miliciano e ex-Alferes Graduado do Exército Português. Este conto também poderá ser lido aqui: Moçambique - Guerra Colonial - Floresta de Sangue.