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3/31/11

Moçambique - HISTÓRIA - SÁ DA BANDEIRA DEFINE ALGUNS OBJECTIVOS PARA O DESENVOLVIMENTO SOCIOCULTURAL DE MOÇAMBIQUE

SÁ DA BANDEIRA DEFINE OBJECTIVOS PARA O DESENVOLVIMENTO S. C. DE MOÇAMBIQUE

Por Carlos Lopes Bento
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Outros trabalhos do Dr. Carlos Lopes Bento neste blogue !

3/31/10

MEMÓRIAS DE CABO DELGADO - SUBLEVAÇÃO DAS POPULAÇÕES NEGRAS, NA VILA DO IBO, DE 26 DE JANEIRO DE 1883

Por Carlos Lopes Bento(1)

Na continuação de escritos anteriores, dedicados a divulgar a História das Ilhas de Querimba, divulgo mais um facto histórico relacionado com bicentenária Vila do IBO.

"Na noite de 26 de Janeiro de 1883, foi alterada a ordem pública na Vila do Ibo pela sublevação armada de numerosos pretos com a intenções de atacarem as casas a alta hora da noite, em que todos estivessem no seu melhor repouso e estabelecendo anarquia, assassinarem os principais moradores com o intuito de saquearem as casas e procederem à pilhagem ..." Segundo informações dos capitães-mor de Querimba, Bringano, M´funvo e Terras Firmes(2), então em funções, muitos habitantes negros de suas terras teriam sido convidados, pelos conterrâneos do Ibo, para deitar guerra à Vila com o intuito de matar todos os brancos e roubar todos os seus bens.

Para concretização do plano gizado, saíram das respectivas terras, - ter-se-iam juntado em Quissanga - e dirigiram-se ao Ibo, no dia 25, para se juntarem à força rebelde da Vila.

As coisas, contudo, não lhe correram de feição. Ao chegarem ao porto do Ibo foram surpreendidos por uma força militar e pelos moradores, que os recebeu a tiro, tendo havido, de parte a parte, fogo intenso, entre as seis e meia da tarde e as nove da noite.

Os que não morreram em combate fugiram em direcção às suas terra, muitos dos quais acabariam por se afogar, ao atravessarem os vários canais que separam a Vila das terras do Continente, devido à maré cheia existente na ocasião. Alguns, por estarem feridos, viriam a falecer entre os densos mangais que envolvem a ilha do Ibo. Muitos regressariam às suas terras, onde relataram o acontecido.

Nesse combate, entre mortos e feridos, terão perdido a vida, entre as forças consideradas rebeldes, mais de cem pessoas, não se verificando, da parte da força militar ou da população da Vila do Ibo, qualquer baixa.

Até agora não encontrei na documentação portuguesa, não só a indicação no número total de elementos - do continente e demais ilhas e da ilha do Ibo - que terá aderido a esta operação, nem das suas verdadeiras razões, como também do nome do chefe rebelde por ela responsável, que ficou conhecida por “guerra dos pretos”.

Segundo informação que obtive no Ibo, em 1970, da parte de um respeitável geronta, da venerável família Morais: a revolta teria sido chefiado por um negro de nome Quiuaroara, que veio de Quissanga, há mais de cem anos, com muita gente armada, que com a ajuda dos escravos da Vila do Ibo, pretendia apoderar-se das mulheres dos brancos do Ibo e de seus haveres.

O dia 26 de Janeiro de 1883 foi a uma Sexta-Feira, dia especial para as populações que professam a religião Islâmica. Então a maioria das populações das Terras Firmes já professava a religião Islâmica. Existirá aqui alguma interrelação?

Haverá estudiosos, curiosos ou naturais das Ilhas de Querimba e seus descendentes, que possam adiantar mais alguma coisa sobre o tema hoje abordado? Desde já os meus agradecimentos.

(1) - Antropólogo e antigo administrador do Concelho do Ibo. Por se tratar de um texto de divulgação não menciono as fontes que lhe serviram de base.

(2) - Nessa data desempenhavam esses cargos, as seguintes individualidades: Cap.mor de Querimba, Manuel Justiniano Baptista; de Bringano e M´Funvo, Constantino António Resende e Sarg-Mor das mesmas terras, Francisco Diogo Baptista; das Terras Firmes, Joaquim Monteiro Baptista.

12/17/08

Para a História do ensino em Cabo Delgado.

Do blogue "São Paulo - O Colégio" e de autoria do Professor Carlos Lopes Bento, também colaborador do ForEver PEMBA, transcrevo:

PARA A HISTÓRIA DO ENSINO EM MOÇAMBIQUE
ESCOLAS E ALUNOS DE CABO DELGADO HÁ 150 ANOS:
MATÉRIAS, FREQUÊNCIA, APROVEITAMENTO E PROBLEMAS

Por Carlos Lopes Bento(1)

I PARTE

Conhecer os problemas, relacionados com a instrução e a educação, que, através dos tempos, foram postos e preocuparam, no território moçambicano, os responsáveis pelo sector e, ainda, como procuraram resolvê-los, é contribuir para um conhecimento mais aprofundado e esclarecido da História do Ensino em Moçambique.

Nesta perspectiva, proponho-me, hoje, começar a divulgar alguns factos que tiveram lugar, há século e meio, relacionados com o ensino primário, então, vigente.

O Decreto com força de lei, de 1.9.1854, fixou o número de Escolas de Instrução Primária da Província de Moçambique, sendo em 14.11.1857, designados os locais onde as mesmas deveriam ser estabelecidas, segundo o preceito do §1º do art. 1º, do Dec. De 14.8.1845, determinando, então, o Governador Geral que se observasse o seguinte:

“As oito cadeiras de primeira classe de Instrução Primária fixadas pelo Decreto do 1º de Setembro de 1854, serão estabelecidas nos seguintes pontos:

-Na cidade de Moçambique, uma, incumbindo ao respectivo Professor, as obrigações de substituir o professor da escola principal e de ajudá-lo no ensino dos alunos, visto que não pode ser cumprido o preceito do artº.12º do decreto de 14.8.1845, por não haver pessoa habilitada;
-Na vila do Ibo, uma;
-Na vila de Quelimane, uma;
-Na vila de Sena, uma;
-Na vila de Tete, uma;
-Na vila de Sofala, uma;
-Na vila de Inhambane, uma;
-Na povoação de Lourenço Marques, uma”.

No ano de 1852, o governador Jerónimo Romero, escrevia sobre a Instrução Pública, na sua Memória Ácerca Distrito de Cabo Delgado, publicada em Janeiro de 1856, nos Anais do Conselho Ultramarino- Parte não oficial:

É mau estado em que se acha este ramo de administração. Há na Vila do Ibo uma aula de instrução primária, regida por um professor régio, natural do país, que, conquanto empregue todos os esforços para servir bem, não pode desempenhar, com proveito público, as funções de que está encarregado, por não ter as necessárias habilitações.
Alem desta, há outra para meninas, também de instrução primária, dirigida, na falta de mestra, por um professor a quem a Câmara Municipal arbitrou um subsídio.
Estas aulas eram frequentadas, em 1853, por 30 alunos e 8 alunas.
Na Quissanga existe um mouro que ensina mal o árabe. Os principais habitantes desta povoação mandam seus filhos a Zanzibar para aprender aquele idioma


Poucos anos mais tarde, o mesmo Governador, no Suplemento à Memória Descritiva e Estatística do Distrito de Cabo Delgado, com uma Notícia Acerca do Estabelecimento da Colónia de Pemba, de 1858 e publicada, em 1860, dava a sua opinião -diga-se euro-cêntrica- sobre o mesmo assunto:

Se o estado físico dos habitantes do distrito deve merecer a atenção do governo de S. Majestade, muitos maiores cuidados reclamam o seu estado moral.
Podem-se promulgar as leis mais humanitárias tendentes a regenerar aqueles povos, se estas não forem acompanhadas dos elementos indispensáveis para os tirar do embrutecimento em que jazem há tantos anos, tornam-se decerto ineficazes; e dessa liberdade, que o futuro lhes mostra, nenhum proveito lhes resulta, não sendo acompanhada da instrução e moralidade, tão necessárias para que de ociosos se tornem cidadãos úteis e amantes do trabalho.
A educação dos pretos está inteiramente desprezada e sem esta o gozo da liberdade, que para os povos civilizados é um bem, para eles é um mal. Se o governo mandar bons mestres e bons sacerdotes para a costa de África e bem remunerados, cedo colherá o fruto dos sacrifícios que fizer, por isso que a raça preta tem a melhor disposição para aprender e moralizar-se.
Em todo o distrito há apenas uma escola de instrução primária na vila do Ibo, por conta do Estado, frequentada por 38 alunos do sexo masculino. Para o sexo feminino não há uma só escola no distrito!
Quando em 1852 tomei posse do governo do distrito, o meu primeiro pensamento foi criar uma escola para meninas, consegui com os pequenos meios de que podia dispor, estabelecer uma, que começou logo a ser frequentada.
Apenas porém larguei o governo, em 1853, fechou-se imediatamente a escola e nunca mais continuou a funcionar, pelas simples razão de destruírem uns governadores o que os outros fazem- mau sistema de há muito adoptado na África e cujas consequências são tão fatais ao desenvolvimento daqueles povos- Esta escola ainda não foi restabelecida, porque distraído com a ocupação da Baía de Pemba e depois com a fundação da Colónia, não pude providenciar a este respeito, sendo contudo o estabelecimento desta escola uma das primeiras providências que é necessário tomar, atendendo à sua grande conveniência e utilidade.
Em 1858 os alunos matriculados foram trinta e oito e os voluntários sete. Uns e outros regulavam entre os cinco e quinze anos, como se vê do mapa que se segue
.”

(1) - Prof. Univ. e Antropólogo.
(CONTINUA)

10/05/09

Apontamentos do Tito Xavier: Ilha do Ibo


Clique na imagem para ampliar. Fotografia propriedade de Tito Lívio Esteves Xavier, oficial da P. S. P. reformado, piloto de aviões e helicópteros em Cabo Delgado e antigo presidente da Câmara Municipal de Porto Amélia.

Nota: Imagem abaixo onde se pode vislumbrar a porta que este post menciona, mas na Câmara Municipal do Ibo em 1971. A mesma, segundo troca de informações com os Amigos Tito Xavier e Carlos Lopes Bento, pertencia e estava inicialmente colocada na "Casa Ranchordás". Posteriormente e segundo Carlos Lopes Bento afirma, "Em anexo vai foto, aliás uma excelente foto histórica, com a porta em questão na C. M. do Ibo. É possível que um dos administradores anteriores, talvez o Olveira, a tivesse mudado da casa do Ranchordas para o local onde a encontrei e ainda se encontra actualmente".

(Clique na imagem para ampliar)

11/27/05

MEMÓRIAS DAS ILHAS DE QUERIMBA...V

Continuação daqui.













3 - OBRAS REALIZADAS E POR REALIZAR: UMA PERSPECTIVA ÉMIC

Os intervenientes e beneficiários da obra concretizada aproveitariam a presença da mais alta autoridade de Moçambique, do Governador de Distrito e das autoridades locais, para, publicamente, testemunharem a sua gratidão e a maneira como encararam a orientação e ajuda material recebidas a favor da melhoria da sua qualidade de vida e, ao mesmo tempo, expressarem alguns dos anseios que gostariam de ver satisfeitos a curto prazo.
Coube tal incumbência a um grupo coral (dufo), constituído por habitantes de ambos os sexos, crentes da religião islâmica, que, em kimwani, cantou os versos de um texto, também escrito em língua portuguesa, escrito pelos lideres locais(1) e responsáveis pelo planeamento e pela execução dos trabalhos.

(1)Nomeio dois deles: um João Macassar, alto dignatário da religião islâmica, felizmente ainda entre os vivos; outro Ali Ame, regedor, já falecido e através deles agradecemos a todos os outros, que foram muitos, chefes e não chefes, que contribuíram para embelezar a sua terra e aumentar a qualidade de vida de toda a população do bairro.
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Por Carlos Lopes Bento - Antropólogo e Professor Universitário.
Este trabalho teve como base uma Comunicação* apresentada, em 26 de Maio de 1992, no Centro de Estudos Africanos, da Universidade Internacional, no Colóquio temático "Experiência Portuguesa em África. Encontro Multidisciplinar".
*A dita Comunicação foi publicada In Separata do Boletim da S.G.L, série 115, nºs 1-12, Jan.-Dez., de 1997, pp 1757.

Mais trabalhos de Carlos Lopes Bento
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11/23/05

MEMÓRIAS DAS ILHAS DE QUERIMBA...IV

Continuação daqui.
O Projeto em Imagens.

Antes dos trabalhos:




Durante os trabalhos:



Por Carlos Lopes Bento - Antropólogo e Professor Universitário.
Este trabalho teve como base uma Comunicação* apresentada, em 26 de Maio de 1992, no Centro de Estudos Africanos, da Universidade Internacional, no Colóquio temático "Experiência Portuguesa em África. Encontro Multidisciplinar".
*A dita Comunicação foi publicada In Separata do Boletim da S.G.L, série 115, nºs 1-12, Jan.-Dez., de 1997, pp 1757.
Mais trabalhos de Carlos Lopes Bento aqui:
http://geocities.yahoo.com.br/quirimbaspemba/

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11/09/05

MEMÓRIAS DAS ILHAS DE QUERIMBA...II


Em 1972, das 20 ilhas povoadas no século XVI e parte do XVII, apenas as de Matemo, Ibo, Querimba e M'funvo eram habitadas permanentemente. Há vestígios de povoamento anterior na Amisa, Macaloé e Quisiwa.

A ilha do Ibo, por ter sido capital dos governos subalternos e de distrito, de 1764 e 1929 e o principal porto de cabotagem, com Alfândega a partir de 1787, foi habitada por uma população mestiçada, biológica e culturalmente, com um modo de vida e situação social bem diferenciadas daqueles que se encontravam nas outras ilhas povoadas e nas terras firmes.
A sua economia tinha como base alguma agricultura, maior parte dela praticada nas terras firmes, a criação de gado (bovino, caprino e ovino) e de aves domésticas (galinhas e patos), a pesca (com grande variedade de espécies aquáticas, destacando-se, pelo seu valor económico, as ostras e as variadas conchas), a navegação e algum comércio. No passado, depois dos meados do século XVIII, até há menos de um século, pontificou o tráfico esclavagista.
Foi o principal bastião da presença colonial portuguesa e a atestá-lo estão a fortaleza de São João Baptista (1789-94) e os fortes de São José (1764) e de Santo António (1818), que defenderam a ilha dos ataques dos franceses(1796) e livraram a população dos ataques dos Sakalava,- povo malgaxe-(1800-1817.
Pelas condições ecológicas adversas, a fixação humana teve apenas lugar num terço do seu território, que abrange uma parte urbana, constituída pela Vila do Ibo, instituída em 1761 e erigida em 1764 e pelo denominado bairro indígena, cujos habitantes se integravam numa única regedoria (Muaba Bonga).
Por Carlos Lopes Bento - Antropólogo e Professor Universitário.
Este trabalho teve como base uma Comunicação* apresentada, em 26 de Maio de 1992, no Centro de Estudos Africanos, da Universidade Internacional, no Colóquio temático "Experiência Portuguesa em África. Encontro Multidisciplinar". *A dita Comunicação foi publicada In Separata do Boletim da S.G.L, série 115, nºs 1-12, Jan.-Dez., de 1997, pp 1757.
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11/06/05

MEMÓRIAS DAS ILHAS DE QUERIMBA...



TRANSFORMAÇÕES NO BAIRRO RURURBANO DA ILHA DO IBO (1969-72).
RESUMO

Com este trabalho pretende dar-se testemunho público sobre uma fecunda e proveitosa experiência de desenvolvimento comunitário realizada em Moçambique, entre 1969 e 1972, pela comunidade mwani da zona rururbana da ilha do Ibo, esta, uma das três dezenas de ilhas que fazem parte do arquipélago das Querimbas ou de Cabo Delgado.

O seu autor, que liderou o processo, após a caracterização geográfica e social da dita Ilha, no contexto mais vasto onde se integra, examina os factores mais relevantes e significativos que influenciaram o conjunto de acções que esteve na base dos trabalhos levados a efeito com vista a solucionar alguns dos problemas que, há muito, afligiam a população do bairro contíguo à Vila: arruamentos, iluminação, habitação, ... .

E a finalizar interroga-se sobre a possibilidade desta experiência concreta, coroada de êxito, levada a efeito, há mais de três dezenas de anos, numa situação de domínio colonial, poder servir de paradigma e vir a ser aplicada, num Moçambique independente e cheio de carências, ainda que em condições económicas e sócio-políticas bem diferentes daquelas em que se originou tal experiência.

1 - A GEOGRAFIA, ECOLOGIA, POPULAÇÃO E ECONOMIA

No litoral mais setentrional de Moçambique e no canal do mesmo nome, entre os rios Rovuma (11° 20' Lat. e 38° 36' Long.) e a baía de Pemba (13° 05'Lat. e 42° 32' Long.) está situado o arquipélago das Querimbas ou de Cabo Delgado (Fig.1), do qual faz parte a ilha do Ibo.

Distando cerca de 70 léguas da ilha de Moçambique e com uma extensão aproximada de 40, as ilhas do arquipélago, em número de 3 dezenas (28 para uns autores, 32 para outros) estão dispostas em forma de rosário, formando de Cabo Delgado para sul um longo e temeroso paredão, paralelo às terras firmes, estando destas afastadas, em média, cerca de 10 milhas.

Ao estado de anarquia provocado por esta barreira natural, recortada por tortuosos canais, há a acrescentar as correntes marítimas, violentas e desordenadas, que aí circulam, como resultado dos efeitos da corrente equatorial, das monções e das marés.

Próximas umas das outras - menos de uma dezena de milhas - e de pequena superfície - a do Ibo a 4ª em área tem apenas 15 Km² (5x3) –orograficamente, as ilhas são caracterizadas por pequenas altitudes que oscilam entre os 4 e 30 metros. Mas a maioria delas não ultrapassa a cota da dezena de metros.

Na linha do litoral que lhe fica adjacente, bastante recortada, encontramos acidentes geográficos, dos quais destacamos: vários cabos, baías e barras.

A costa, em direcção ao interior, numa extensão de 50 Km, é baixa, não se elevando acima dos 60 metros.

Nas ilhas não existe qualquer curso de água e nas terras firmes adjacentes, com algum significado, apenas temos dois rios: o Messalo e o Montepuez.

O clima pode classificar-se, de grosso modo, como um clima tropical sub-húmido, sujeito ao regime das monções, responsável, em longa medida, pelas duas estações anuais distintas - a das chuvas que vai de Novembro a Março e a seca que corresponde aos meses de Abril a Outubro - caracterizadas por uma distribuição pluviométrica desigual e irregular ao longo do ano (aproximadamente 700 mm/ano).

Os solos das ilhas são constituídos, essencialmente, por rochas corálicas, areia e alguns húmus resultante da fraca vegetação arbórea que as cobre. A natureza dos solos, conjugada com o regime das chuvas, tornaram as terras insulares pouco propícias para a agricultura. Excepção feita a parte da ilha de Querimba, em que predominam alguns solos de qualidade para aquela actividade.

Por Carlos Lopes Bento - Antropólogo e Professor Universitário
Este trabalho teve como base uma Comunicação* apresentada, em 26 de Maio de 1992, no Centro de Estudos Africanos, da Universidade Internacional, no Colóquio temático "Experiência Portuguesa em África. Encontro Multidisciplinar". *A dita Comunicação foi publicada In Separata do Boletim da S.G.L, série 115, nºs 1-12, Jan.-Dez., de 1997, pp 1757.
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11/27/10

A Ilha do IBO e a História: Café do Ibo ganha medalha de ouro... em 1906


UMA PÉROLA DE MOÇAMBIQUE - O AFAMADO CAFÉ DO IBO GANHA MEDALHA DE OURO EM LISBOA - Por Carlos Lopes Bento(1).

Considerando o contributo e a mais valia que o saboroso e aromático café do Ibo poderá dar à divulgação do norte de Moçambique, designadamente, de Cabo Delgado e das Ilhas de Querimba, achei oportuno divulgar alguns interessantes dados, extraídos das minhas fichas de leitura e bibliográficas, relativos à sua produção e consumo, nos séculos XIX e XX.

Durante a minha estadia, em Cabo Delgado, de 1967 a 1974, e, especialmente, na ilha do Ibo, onde residi de 1969 a 1972, tive o privilégio de saborear o delicioso café do Ibo, e de o oferecer a muitas centenas de visitantes, nacionais e estrangeiros, que, então, a visitaram, sendo por todos muito apreciado.

O cafezeiro continuava, ainda, na década de 70 do século passado, a crescer ao ritmo natural, - que até se desenvolvia nos solos pedregosos de coral, existentes na parte insular do território -, merecendo poucos ou nenhuns cuidados por parte das populações do distrito, embora algumas tentativas tivessem sido feitas para alterar a situação.
Foi nesse sentido que autoridades portuguesas do Reino procuraram, nos finais do século XVIII, passar da recolecta à cultura do cafezeiro, de modo a introduzir o café no comércio com Lisboa, facto que acarretaria grandes benefícios, tanto para o Reino, como para as Colónias.

De modo a promover e a animar a plantação do café nas Ilhas de Querimba, a Provisão real de 2/3/1800, determinava que, anualmente, delas fossem remetidas 10 arrobas do melhor café, obrigando-se, para tanto, "cada morador e agricultor a plantar tantas árvores, proporcionalmente ao terreno que possuir, persuadindo-os que isto poderá a vir a ser, em pouco tempo, um ramo de comércio, muito útil aos moradores”.

Em 1803 foram enviadas, para o Palácio Real de Queluz, 3 arrobas e 18 arráteis de café das Ilhas remessas que continuariam até 1808, data em que seriam suspensas, pelas dificuldades da sua aquisição nas terras firmes.

Embora se tenham plantado algumas machambas de cafezeiros tanto na parte insular, como continental do território, os resultados, em 1810, ainda não eram visíveis, por vários motivos: a pouca idade dos cafezeiros plantados, que ainda não produziam; as incursões dos Sakalava, que perturbaram essa campanha; e pouco interesse dos agricultores por essa cultura, cujos benefícios imediatos não eram comparáveis, por exemplo, à cultura do coqueiro.

No sentido de ultrapassar todas as dificuldades, uma nova Provisão real, de 1810 recomendava todo o interesse das autoridades para incrementar a cultura do cafezeiro e outros produtos agrícolas, que pudessem constituir-se objectos de exportação e compensar-se os de importação.

As tentativas para introduzir, nas Ilhas e terras firmes, uma agricultura orientada para uma economia de mercado, redundariam em completo fracasso.

Nos meados do século XIX, o governador das Ilhas, Jerónimo Romero, presta-nos as seguintes informações sobre a produção de café:- São escassas as colheitas de café na ilha do Ibo; no Lumbo, margens do rio Cariamacoma achava-se café silvestre; nas margens do rio Lúrio encontram-se espessas matas de cafezeiros silvestres; Em Tungué, as margens do rio Meninguene são ricas em café do mato.

- Era somente na ilha do Ibo e proximidades do rio Cariamacoma que se fazia a cultura de algum café por um ou outro morador curioso, pois, os demais, não davam importância nem se dedicavam a tão útil cultura. Deste modo o cafezeiro produzia, espontaneamente, como qualquer outra planta do mato, sendo a sua apanha dificultada por eles se acharem entre matos cercados de arvoredo e pelo risco dos animais ferozes existentes nestas paragens.

- Então as maiores colheitas de café faziam-se na Ilha do Ibo (12 arrobas), em Criamacoma ou Lumbo (14 ar.), em Fragane (14 ar.), próximo da Quissanga, e em Bringano (10 ar.), a sul da ilha de Querimba.

- Os preços praticados eram, no Ibo, de 5 a 6$000 réis a arroba e o que saía para a ilha de Moçambique poderia atingir os 7$000 réis.
Em 1902, o Governador dos Territórios da Companhia do Niassa Ernesto Jardim de Vilhena dava conta que, no Ibo, anexa à propriedade urbana, nomeadamente, nos quintais os moradores plantavam os seus cafezeiros.

Três anos depois, em 31 de Julho de 1905, Governador dos mesmos Territórios, João dos Santos Pires Viegas, escreveu algumas notas sobre o café, do seu distrito, enviado para a Exposição Colonial de Algodão, Borracha, Cacau e Café.(Abril a Maio de 1906), realizada, na sua sala Algarve, pela Sociedade de Geografia de Lisboa:

“O café dos Territórios da Companhia do Nyassa, geralmente conhecido por “café do Ibo”, tem qualidades de preferência muito superiores a muitas variedades das nossa colónias, mas quase sempre passa despercebido, atendendo à sua quase nula exportação, e esta devido ao nulo desenvolvimento que os filhos do Ibo e de Querimba, senhores de enormíssimos tratos de terreno no litoral, dão ao cultivo do cafezeiro.

Hoje o cafezeiro nasce, cresce, produz e morre, sem que alguém pense no amanho da terra, sem que o limpem ou cuidem renová-lo na época própria.

Não só não o cultivam, como não procuram tirar daqueles que existem e cuja maior parte espontaneamente surgiu da terra, convenientemente o seu produto.

Inteiramente verde, a formar-se ainda, o proprietário colhe-o sacudindo as árvores ou batendo os ramos com varas, seca-o, ligando pouca atenção às propriedades que ele poderia ter se a maturação se deixasse fazer e fosse completa, e isto para que o preto não o roube.

Ainda assim o café da ilha do Ibo é mais saboroso e superior em qualidade a outro qualquer dos Territórios, porque sendo fácil vigiar a propriedade, só é colhido na época própria e algum é seco e arrecadado segundo os preceitos aconselhados.

Nestas condições, em terreno próprio, entre altos coqueiros, que pouca sombra lhe dão ou entre acácias e macieiras bravas, que lhes roubam o espaço, os cafezeiros encontram-se em quase todas as circunscrições dos Território aquém do rio Lugenda.

O seu preço varia segundo as necessidades que o indígena tem de dinheiro; e assim não é difícil encontrar pretos pelas ruas do Ibo, na Quissanga e no litoral, a oferecerem-no à venda a 150 e 200 réis. O seu preço ordinário, porém, é de 300 réis o quilo, quando bem seco e limpo. O café da “Vista Alegre”, Ibo, o melhor talvez dos Territórios, tem sido vendido a 500 réis, em anos de colheita fraca.

A produção, em relação ao tratamento que o cafezeiro recebe, é grande, mas a sua aparência desagrada, pela pequenez do seu grão, comparada a outras qualidades; contudo o café é apreciado e apetecido pelo seu aroma delicioso e pelo seu sabor.

É afamado o “café do Ibo”, porém poucas pessoas o conhecem, além daquelas que têm permanecido ou passado pelos Territórios e pelo distrito de Moçambique, e ainda aquelas que no Reino têm relações nesta parte desta nossa África.

Nos Territórios da Companhia do Nyassa não tem consumo outro café.

Encontra-se café, em quantidade, não só em todo o litoral como nas margens do M´Salo, Naquidunga e Pequeue, no concelho de Mocimboa, nas encostas das serras Muare e M´chibala, serras que formam um garganta onde se acha estabelecida a sede do concelho do Medo, no Mualia.

Os Territórios da Companhia do Nyassa concorrem à exposição da Sociedade de Geografia de Lisboa com nove amostras de café:

- Quririmisi, Quiriamacoma, Olumbua, Ibo, do concelho do Ibo.
- Tandanhangue, Memba, do concelho de Quissanga.
- Naquidunga, do concelho de Mocimboa.”

Salienta ainda o dito Catálogo uma nova espécie de Café, o Coffea Ibo, de Frohner, assim caracterizado:


“ Dos cafés, além dos tipos Coffea Liberica e Coffea Arábica, especializaremos um espécie nova, o Coffea Ibo, de Frohner, apresentado pela Companhia do Nyassa, e que, pela pequenez do seu grão alongado, semelhante mais ao bago do trigo do que o do café ordinário. Cultivado com esmero, deve por certo produzir um produto que alcançará boa cotação no mercado, pelas suas qualidades aromáticas.”

Relativamente ao CAFÉ, a Companhia do Niassa foi distinguida com o Diploma de medalha de ouro.

O cafezeiro florido, de extrema beleza, também poderá, futuramente, constituir mais um factor de atracção turística a ter em consideração no desenvolvimento sócio-cultural de Cabo Delgado e de Moçambique.

Bibilografia: VASCONCELOS, Ernesto de, Exposição Colonial de Algodão, Borracha, Cacau e Café.(Abril a Maio de 1906), CATÁLOGO. Lisboa, Sociedade de Geografia de Lisboa, 1906, p. 104.

(1) - (colaborador do ForEver PEMBA) - Doutor em Ciências Sociais pelo ISCSP, Univ. Técnica de Lisboa. Antigo administrador colonial. Foi presidente da C. Municipal do Ibo, entre 1969 e 1972. Antropólogo e prof universitário, continua a ser um dedicado amigo das históricas Ilhas de Querimba, que continua a investigar de maneira sistemática e a divulgar as suas inquestionáveis belezas. Neste trabalho, de modo a evitar o plágio, tão usual no nosso tempo, apenas se indica um autor. Para os interessados, desde que o solicitem, poderei fornecer outros elementos bibliogáficos que lhe serviram de base.

  • Demais posts deste blogue onde se encontram trabalhos do Dr. Carlos Lopes Bento - aqui !
O AFAMADO CAFÉ DO IBO GANHA MEDALHA DE OURO EM LISBOA
Uma Pérola de Moçambique
O afamado Café da Ilha do Ibo ganha medalha de Ouro em Lisboa
Por Carlos Lopes Bento 
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12/10/08

Retalhos da História de Cabo Delgado: Breves notas sobre a população do Distrito de Cabo Delgado em 1858.

Por Carlos Lopes Bento (1)

No ano em que Pemba, (antiga Porto Amélia) está a comemorar os seus 50 anos de elevação a cidade, entendi, como forma de lhe prestar homenagem, bem como a todos aqueles que, de algum modo, contribuíram, através dos anos, para o seu engrandecimento, trazer a público alguns dados sobre a população, que há 150 anos povoava o distrito de Cabo Delgado e como se distribuía geograficamente.

Segundo a informação fornecida pelo então Governador interino João da Cunha Carvalho, relativa ao ano de 1858, o distrito estava dividido em sete Capitanias, a saber:
Estas sete capitanias, duas insulares- Ibo e Querimba- e cinco situadas, junto à costa marítima, em terras firmes ou continentais, de que faziam parte 34 núcleos populacionais, eram habitadas por 23 361 pessoas, distribuídas por 9.776 fogos, das quais 11.996 eram do sexo masculino e 11 365 do sexo feminino. Este total de população incluía: “indígenas, livres e libertos, europeus, asiáticos e escravos”. Com excepção da do Ibo, nas restantes Capitania existia como autoridades locais: 1 capitão-mor, 1 sargento-mor e 1 cabo das terras, que era o chefe de polícia.

As capitanias mais povoadas eram a de Quissanga, com 8.749 habitantes e a do Ibo, com 5.448.

Situavam-se próximas uma da outra, sendo a primeira a principal porta entrada e de saída do comércio da Vila do Ibo.

Estas duas povoações tinham mais do dobro da população total do distrito, seguindo-se a de Mocimboa situada mais a norte.

A capitania mais a sul e mais próxima da baía de Pemba era a de Arimba, situada a sul da de Querimba.

Geograficamente, de sul para norte, existiam as capitanias de: Arimba, Querimba, Ibo, Quissanga, Olumbua, Pangane e Mocimboa. Daqui se deduz que, então, o Distrito de Cabo Delgado tinha como limites: a norte, Mocimboa e a sul, Arimba. Para além deles, encontravam-se as “Terras sujeitas ao governo de Régulos”:

- A norte, tínhamos, defronte da ponta denominada Cabo Delgado, a povoação de Tungue, um pouco a norte da baía do mesmo nome, que era habitada por Suaílis e Mujojos, dependentes politicamente do Sultão de Tungue, Amade Sultane.

- A sul, situava-se a baia de Pemba em redor da qual dominavam os régulos Said-Aly, Mugabo, Motica e Mazeze, entre outros, estendendo-se a jurisdição deste até ao rio Lúrio, limite sul do território do distrito de Cabo Delgado.

Quanto à origem étnica e religião da população, as informações fornecidas em 1858, apenas, se referem às ilhas do Ibo e de Querimba: Na primeira estavam incluídos: 11 europeus, 3 filhos de Goa, 23 gentios entre batiás e baneanes e na segunda, 3 europeus.

Anos antes, em 1855, o governador Jerómino Romero, - responsável pela instalação da Colónia Agrícola de Pemba, verificada a partir de 1857, na sua obra “Memória Acerca do Distrito de Cabo Delgado” - fornece-nos alguma informação sobre a população, livre e escrava, do seu Distrito, que incluía cristãos, mouros, baneanes e batiás.

Numa simples análise dos dados fornecidos em 1855 e 1858 verifica-se uma grande diferença nas frequências relativas à totalidade da população do Distrito, que, num diminuto espaço de tempo, passou de 6.607 para 23.361 habitantes. Ela deverá estar relacionada com a aplicação da Portaria nº 315, de 15.10.1855, que estabeleceu o Registo Civil em Moçambique, determinando “a inscrição de todos os habitantes da cada circunscrição administrativa e se note com toda a regularidade o movimento da população de todos os pontos de vista”. No seu artº 1º determinava-se que:

“Todo o chefe de família formulará, segundo um modelo que deverá ir receber da autoridade, uma relação nominal de todas as pessoas, de qualquer condição que sejam, das quais se compuser a sua família, no dia 31 de Dezembro do corrente ano, designando a sua respectiva idade, religião, estado, ocupação, &, como irá mencionado no mesmo modelo, a qual relação entregará à competente autoridade no dia 1º de Janeiro de 1856, ou nos dias imediatos segundo a distância a que estiver a sua morada”.

Aqui deixo estas breves notas para que as gerações mais novas, de Moçambique e de Portugal, conheçam mais alguns dos traços da sua História comum.
(1)- Prof. univ. e antropólogo.

  • Post's deste blogue sobre "Retalhos da História de Cabo Delgado" onde se incluem trabalhos do Prof. Carlos Lopes Bento, entre outros - Aqui!

10/29/07

MEMÓRIAS DE CABO DELGADO-ACHEGAS PARA O ESTUDO DO MUNICIPALISMO EM MOÇAMBIQUE-IV

...Continuando daqui - parte 1, parte 2 e parte 3.

A CÂMARA DA ILHAS DE CABO DELGADO.
POSTURAS E REGULAMENTOS
Por Carlos Lopes Bento[1]
2ª PARTE
O CÓDIGO DE POSTURAS DA CÂMARA MUNICIPAL DE CABO DELGADO DE 1887
Foi em de 8 de Julho do longínquo ano de 1887, que a Câmara Municipal do Distrito de Cabo Delgado, com sede na ilha do Ibo elaborou o seu Código de Posturas[2], que viria ser aprovado pela Portaria nº 21, do Governo-Geral de Moçambique, de 8 de Julho do mesmo ano.
Faziam dele parte 58 artigos que regulavam as seguintes matérias:
  • Da limpeza e segurança da vila (artºs. 1º a 21º)
  • Dos animais (artºs. 22º e 23º)
  • Dos fornos de cal (artº. 24º)
  • Dos açougues (artºs. 25º e 26º)
  • Dos pesos e medidas (artºs. 28º e 29º)
  • Das licenças (artºs. 30º a 35º)
  • Das multas (artºs. 36º a 53º)
  • Disposições gerais (artºs. 54º a 58º)

Realçamos, seguidamente, alguns dos seus traços mais relevantes deste já secular Código de Posturas:

Na vila do Ibo:
Os proprietários ou seus procuradores, bem como os inquilinos, de casas eram obrigados a:

  • A caiar, de dois em dois anos, entre 1 de Junho e 31 de Agosto, as paredes exteriores das suas casas, não podendo, para o efeito, utilizar cores inteiramente brancas. Quando arrendadas e o trabalho fosse feito pelos inquilinos, as despesas seriam por conta dos seus proprietários;
  • pintar, de três em três anos, no mesmo período, as portas, janelas e grades de suas casas e dependências;
  • terem limpos os quintais, os pátios e testadas das casas que habitarem e os quintais adjacentes, bem como os terrenos que possuírem ou administrarem;
  • construir e reparar os passeios das testadas de suas casas, conforme o alinhamento e largura determinada pela Câmara;
  • demolir os prédios que ameaçassem ruína, no prazo fixado pela Câmara, devendo os materiais das demolições, quando não aplicados para nova construção no local, ser removidos no prazo fixado pela Câmara;
  • formar diante do prédio a construir, reconstruir, demolir ou reparar e em todo o cumprimento, um resguardo de madeira ou de caniço para ir arrumando os materiais, o mesmo deve ter aquele que levantar andaimes para caiação, pinturas ou outras obras;
  • fechar os quintais com muros de tijolos ou alvenaria ou qualquer outra forma que a Câmara entendesse razoável, devendo os que então tivessem os quintais fechados com caniço, dar cumprimento a esta determinação;
  • usar materiais adequados nas coberturas de suas casas(telhas), continuando a ser toleradas as coberturas de palha.

Todas as palhotas seriam numeradas, devendo ter a altura conveniente e bem visível o seu número em branco sobre tabuleta preta de 2 decímetros de comprimento e 1 de largo. Uma vez atribuído o número os seus donos seriam obrigados a contribuir para os cofres do Município com o imposto de 200 réis anuais, por cada uma palhota.

A todos os habitantes era proibido:

  • o despejo de entulho, lixo e outras imundícies em qualquer rua ou lugar público, devendo tais objectos ser lançados ao mar ou nos sítios apropriados fixados pela Câmara em Edital;
  • tirar terra ou areia nas ruas do logradouro público e fora deste só permitido em recintos fechados ou nos que a Câmara indicasse;
  • ter dentro da Vila depósitos de cauril, sendo permitido em local afastado: além da rua 27 de Julho e Munaua;
  • o transporte de vasos de despejo pelos ruas e lugares públicos da Vila quando não forem dentro de caixas fechadas, devendo esse transporte verificar-se antes da 7 horas da manhã e depois do pôr-do-sol;
  • fazer transitar pelas ruas a descoberto qualquer animal morto e enterrá-lo ou abandoná-lo fora do sítio determinado pela Câmara para esse fim;
  • ter a secar em qualquer sítio da Vila peixe, carne ou couros;
  • ter em suas casas ou armazéns mais de três quilos de pólvora;
  • estender roupa, velas, cabos, mantimento, fazendas, marfim ou outro qualquer pejamento nas ruas ou outro logradouro público;
  • fazer qualquer lavagem próximo aos poços ou praticar actos imundos fora dos lugares que a Câmara determinar;
  • a lavagem de roupa nas praças, ruas, ou travessas;
  • ter dentro da Vila currais de gado suíno ou qualquer outro que seja prejudicial à saúde pública ou à segurança individual, sendo, no entanto, permitidos os currais em local afastado como no bairro de Munaua e além da rua 27 de Julho;
  • tirar para a rua ou deixar pastar na Vila quaisquer animais que possam prejudicar a segurança individual, a salubridade ou a conservação de arvoredos municipais, não ficando abrangido nesta disposição o gado que saísse para as pastagens acompanhado dos seus guardas, devendo, em tais casos, transitar pela praia da Belavista, Munaua e rua 27 de Julho e nunca pelas principais ruas da Vila[3];
  • construir fornos de cal na ponta da areia, sendo a esplanada do forte de Stº António o local adequado para o efeito, pagando os interessados uma licença de 4$500 réis por cada forno;
  • abater para consumo público quaisquer rés de gado vacum ou suíno sem que fosse, previamente, inspeccionada pelo Delegado de Saúde e favorável a sua opinião.

Já então havia preocupações com a defesa do ambiente e com a saúde pública.
Das licenças obrigatórias na Vila e outras Povoações do distrito de Cabo Delgado:
Todos os comerciantes com estabelecimento na Vila do Ibo, baía de Pemba, Arimba, Bringano, Querimba, Quissanga, Memba, Olumbua, Ingoane, Pangane, Mucojo, Quiterajo, Mocímboa e baía de Tungue eram obrigados o obter uma licença da Câmara, que poderia ter a validade de 3 aos 12 meses. Verifica-se que, nos finais do século XIX, os comerciantes tinham estabelecimentos em 14 localidades diferentes: 12 em povoações do litoral e apenas 2 em ilhas(Ibo e Querimba), não se constatando nenhuma, não só para o interior do continente como também para sul da baía de Pemba, embora essa parte do território fosse, anualmente, atravessada por dezenas de caravanas comerciais vindas do sul do Niassa. A ocupação definitiva dos territórios de Cabo Delgado só viria a ter lugar a partir dos finais do século XIX e início do século XX.

Os alvarás das licenças comercias eram divididos em seis classes:

  • 1ª classe
    Abrangia os negociantes de grosso trato, fosse qual fosse o género de comércio. Pagavam anualmente 60$000 réis;
  • 2ª classe
    Incluía os negociantes de pequeno trato e casas que importem para venda a retalho. Custo de licença 40$000 réis por ano;
  • 3ª classe
    Integrava os estabelecimentos com lojas abertas no continente. Pagavam em cada ano 25$000;
  • 4ª classe
    Incluía os comerciantes que vendiam produtos comprados no continente e ainda os que transaccionavam bebidas destiladas ou fermentadas em mui pequena escala. A licença custava anualmente 12$000 réis;
  • 5ª classe
    Estavam aqui incluídos os vendedores ambulantes. Pagavam anualmente 6$000 réis;
  • 6ª classe
    Nesta última classe eram incluídos todos aqueles que se dedicassem à venda de bebidas cafreais tais como sura, sumo de caju, pombe, etc. A licença a pagar anualmente era de 3$000 réis.

Todos as pessoas que vendessem unicamente géneros da sua cultura, sem acção de manipulação, estavam isentos de licença.
Eram ainda necessárias licenças para:

  • construção, reconstrução ou aumento de prédio, pagando-se pela respectiva licença: 3$000 réis pelos prédios de pedra e 1$500 pelos de madeira;
  • construção de lanchas, botes ou outras embarcações para carga ou recreio na Vila ou no continente, pagando-se pela licença 2$000 réis sendo lancha ou outra embarcação de capacidade maior e 1$200 sendo bote;
  • a realização de batuques, pagando-se a partir das 10 horas da noite a importância de 2$000 réis. Eram expressamente proibidos os batuques de muali/uari “ festa esta só própria a selvagens (...), atentado contra a civilização e moralidade”[4].
  • dar tiros de pólvora seca, em festas e lugares públicos, desde as 8 das manhã às 8 da noite. A licença para o efeito custava 2$000 réis, que passaria a ser 4$000 para o período das 8 da noite às 8 da manhã.
  • Todo o individuo encontrado em algum lugar público da Vila no estado de embriaguez ou em desordem ou que ofendesse a moral pública trabalharia 3 dias no serviço municipal, recebendo 30 réis por dia para o sustento ou pagaria para a Câmara 1$500 réis.

O Código previa um conjunto de multas para todos aqueles que não cumprissem os seus preceitos.

(Continuará em breve)

[1] -Antigo administrador colonial. Foi presidente da C. Municipal do Ibo, entre 1969 e 1972. Antropólogo e prof. universitário, continua a ser um dedicado amigo das históricas Ilhas de Querimba, que continua a investigar de maneira sistemática e a divulgar as suas inquestionáveis belezas.
[2] Publicado no Boletim Oficial de Moçambique nº29, de 16.7.1887, p.316 e 317.
[3] Já em 1856 a Câmara havia proibido a circulação destes animais pela Vila. Informação de GERARD, Padre Constantino, Algumas datas e Factos Acerca das Ilhas de Quirimba.
[4] Em Outubro e Novembro de de 1879, os capitães-mores de Quirimba e das Terras firmes eram censurados por ter permitido, nas suas terras, este batuque, que havia sido proibido por uma Postura municipal de 20.2.1869.

Templos e Espaços Sagrados das Ilhas de Querimba:

Quem é o Dr. Carlos Lopes Bento ? aqui.
Mais trabalhos de Carlos Lopes Bento em http://br.geocities.com/quirimbaspemba/.

11/28/08

Retalhos da História de Cabo Delgado: A Ilha do Ibo - Imprecisões comentadas pelo Dr. Carlos Lopes Bento.

O ForEver Pemba vem publicando há algum tempo com muita satisfação, tentando contribuir para que a verdadeira História de Moçambique seja conhecida com isenção e limpa de cores políticas inconvenientes ou parciais, dividido em post's periódicos, trabalho do Capitão-Tenente da Marinha Portuguesa Adelino Rodrigues da Costa escrito em seu livro "As Ilhas Quirimbas - Uma síntese histórico-naval sobre o arquipélago do norte de Moçambique", edição da Comissão Cultural da Marinha Portuguesa.
O último post de 13/11/08, "Retalhos da História de Cabo Delgado: A Ilha do Ibo." mereceu por parte do Dr. Carlos Lopes Bento, antropólogo e prof. universitário, profundo conhecedor do Arquipélago das Quirimbas além de Amigo e colaborador deste blogue radicado em Lisboa, o seguinte complemento que visa somar informações:

PARA A HISTÓRIA DAS FORTIFICAÇÕES DE CABO DELGADO, MOÇAMBIQUE
Por Carlos Lopes Bento(1)

.
Pela leitura da obra do sr. comandante Adelino Rodrigues da Costa sobre “As Ilhas de Quirimba”, que tem vindo a ser publicada em http://foreverpemba.blogspot.com/, na parte respeitante à Ilha do Ibo e às fortificações nela edificadas pelos Portugueses, verifico existirem algumas imprecisões, devidas, segundo julgo, à limitação e à natureza das fontes utilizadas. Parte do seu texto:

“Gaspar Ferreira Reymão que em princípios do século XVII invernou na ilha do Ibo na sua viagem para a Indía, refere que a ilha tem "uma fortaleza, cercada bastante para se defender dos cafres, que às vezes passam de guerra de baixa mar a pé as ilhas, com muito bom aposento de casas de pedra e cal, capazes para se aposentar nelas a pessoa de um Vice-rei, como esteve Rui Lourenço de Távora com toda a sua casa".(43)... ...

Quando em 1752 a reforma pombalina decretou uma nova organização para os territórios ultramarinos portugueses, Moçambique autonomizou-se e foi separado do governo de Goa, passando a ser governado por Francisco de Mello e Castro que, de acordo com as instruções recebidas de Lisboa, determinou que a fortaleza existente no Ibo fosse substituída por uma outra, numa tentativa de levar as posições territoriais portuguesas mais para o Norte.
.
A nova fortificação foi construída em 1754 e foi baptizada como Forte de S. João Baptista mas, em 1791, foi reconstruída e reforçada na ponta NW da ilha, tendo a forma de uma estrela com muralhas de 16 pés e sem fosso. A protecção da ilha foi ainda assegurada por dois fortins: o fortim de S. José, localizado a SW da ilha e que era artilhado com 9 peças e o fortim de S. António, situado a SE da ilha e que era artilhado com 6 peças.(45)
.
Com esta proteção fortificada, a ilha do Ibo ficou mais ligada aos interesses portugueses, garantiu alguma autonomia em relação à influência mercantil e cultural árabe, conseguiu resistir às tentativas francesas e holandesas para dela se apossarem e, também, aos assaltos dos sakalavares de Madagáscar que tinham começado a fazer incursões e assaltos naquela área.”
.
Para que os leitores não fiquem com um conhecimento incompleto sobre tal temática, entendi divulgar alguns dados, por mim recolhidos nas pesquisas realizadas sobre os locais fortificados em Cabo Delgado, Moçambique(2) aliás, muitos deles já publicados, dando especial relevo aos edificados pelos Portugueses, no tempo da sua administração colonial. Os factos:

Para assegurarem o seu domínio e manterem uma rota marítima livre de inimigos por onde a sua frota pudesse circular com segurança, os novos ocupantes e senhores do Indico conceberam um plano estratégico e táctico, em que desempenharam papel destacado as fortalezas. Estes baluartes constituíam padrões de soberania cuja missão principal era defender tanto os portos de comércio como a penetração comercial e militar nalguns pontos do interior que, em Moçambique, se processou, numa primeira fase, ao longo do curso do rio Zambeze.

As Ilhas pela sua posição geo-estratégica em relação à ilha de Moçambique e às ilhas situadas a norte de Cabo Delgado e pela importância do seu comércio com as terras adjacentes de Montepuez e do Nyassa, cedo mereceram a atenção dos Portugueses, que nelas construíram locais de defesa adequados. É de admitir, segundo os vestígios existentes nas ilhas de Quisiva, Macaloé, Amisa e alguns locais das terras firmes próximas de Cabo Delgado(3), que muitas delas tivessem sido, anteriormente, fortificadas por Árabes e Suaílis. O seu aproveitamento pelas recém-chegadas autoridades coloniais...


  1. Antropólogo e prof .universitário.
  2. Para uma leitura completa sobre esta temática consultar em http://br.geocities.com/quirimbaspemba/capaeindice.htm, cap. VIII. Aí poderão ser encontradas todas as fontes utilizadas, não publicadas neste pequeno trabalho de divulgação, por razões óbvias.
  3. Ver: VERIN, Pierre - "Observations Preliminaires sur Mozambique", In Azania, Vol. V, 1970; MONTEIRO, Fernando Amaro, "Vestiges Archeólogiques du Cap. Delgado e de Mozambique", In Taloha 3, 1970; e GALVÃO, Henrique, Império Ultramarino Português - Monografia do Império, Lisboa, 1953, p. 24.
...portuguesas seria pouco provável visto as Ilhas ficarem arrasadas "quando as foram conquistando e tomadas (...) aos Mouros".(1)
Após a sua reconquista, no 1º quartel do século XVI, os novos senhores e foreiros, para sua defesa, viram-se na necessidade de construir habitações funcionalmente adequadas para o efeito, de que falam as descrições, desse tempo, chegadas até aos nossos dias.
As primeiras referências sobre a existência de fortificações nas Ilhas surgiriam com António Bocarro e Frei João dos Santos. Este frade dominicano, observador atento das realidades do seu tempo, assegura existir na ilha de Querimba "uma fortaleza cercada, em que mora o senhor da ilha e dono da mesma fortaleza", informação confirmada anos mais tarde por Gaspar Reimão, piloto da carreira da Índia que também esteve nas Ilhas. No seu Diário de Navegação consta:
... quanto aos sinais para identificação da Ilha de Querimba (...) é a 4ª ilha e descobrirdes a ponta da banda norte, vereis um arvoredo alto (...) e ao longo dele há uma praia, que é de areia muito alva e vereis casas grandes que é uma fortaleza e a casa de Santo António.(2)
Ainda em 1744, era feita referência à "ponta do forte da Ilha de Querimba"(3). Como as indicações um pouco anteriores a esta data, todas elas apontam para a não existência de qualquer fortificação nas Ilhas, será de admitir que tal alusão pretenderia querer significar haver ainda habitações como locais de defesa, facto que não será de excluir, uma vez que a Querimba continuava a ser a capital das outras ou então, apenas, desejaria mencionar a parte norte desta Ilha, assim denominada em recordação da localização passada das mesmas habitações. Quanto à ilha do Ibo, Gaspar Reimão não deixa dúvidas quando escreveu: "... Ficam aqui as naus da terra perto da fortaleza e da povoação"(4).
António Bocarro também o atestaria depois, quando na sua obra indicou ter esta ilha a "sua fortaleza com falcões que não mais é que uma casa de sobrado, de pedra e cal, que fez o dito senhorio."(5). Documento da mesma data e dela próxima, de autor anónimo, refere que a mesma Ilha "tem senhorio (...) e fortificação" que se destina a defendê-la "da terra firme que lhe fica perto com vau"(6). De salientar ainda a nota deixada numa carta, por um cartógrafo, segundo a qual o "Oybo tem boa barra e fortaleza"(7).
A norte da ilha do Ibo, o senhorio da Ilha de Macaloé construiu "nela uma casa de pedra e cal assobradada que lhe serve de forte"(8). Testemunhos, dos meados do século XVIII, referem ter existido, naquela Ilha, "uma fortaleza quadrangular, em forma de paralelogramo quase prolongado, com quatro baluartes de pedra e cal, parte da qual que cai para a praia com dois baluartes estava em ruína não há muitos anos e a que olha para terra em muitas partes demolida do tempo."(9)
Mais a norte dá-se como existente, no século XVI, uma fortaleza em Cabo Delgado Palma Velho desenhou-a na sua Carta Corográfica.Perante estas evidências factuais pode avançar-se com a explicação de que nos séculos XVI, XVII e parte do XVIII, os locais fortificados existentes nas ilhas, onde residiam os seus foreiros, então homens poderosos, eram casas assobradadas com falcões, construídas a pedra e cal, que para além de residência, serviriam também de igreja, de local de defesa e até de prisão. Ainda nos finais do século XVIII, as coisas se passavam, um pouco dessa maneira, na jurisdição da Amisa. Os seus principais...


  1. SANTOS, João dos, Etiopia Oriental, Vol. I, p. 274.


  2. REIMÃO, Gaspar, Roteiro da Navegação e Carreiras da Índia, com os seus Caminhos, e Derrotas, Sinais ... (25/3/1600),., fls. 12v.


  3. B. N., Códice 617, "Livro de Bordo da Fragata Nossa Senhora da Oliveira, na sua viagem de Goa para Moçambique", Diário de 19/3/1744, fls. 13v.


  4. REIMÃO, Gaspar, op. cit., fls. 17v.


  5. BOCARRO, António, Fortalezas Portuguesas ..., fls. 12v. Assinalada na carta de Palma Velho.


  6. B. N., Códice 29, cit., fls. 7.


  7. REIS, André Pereira dos, "A Costa Africana de Moçambique às Ilhas de Querimba", Carta de 1654, In Portugalia e Monumenta Cartográfica, cit., Vol. V, Estampa 542A.


  8. BOCARRO, António, op. cit., fls. 12v.


  9. ANONIMO, Notícia acerca da África Oriental Portuguesa. B. N., Reservados, X-2-10, Cx. 16, nº 58, c. 1758. Com pequenas alterações o mesmo texto encontra-se em Notícias dos Domínios Portugueses na Costa Oriental de África de Inácio Caetano Xavier, p. 150. Segundo Alexandre Lobato a elaboração da dita Notícia terá pertencido a Morais Pereira e teria sido escrita em 1758.

...moradores para se prevenirem dos ataques, nocturnos e diurnos, que os povos das terras firmes lhe costumavam fazer, fortificavam-se nas respectivas residências.
As casas fortaleza utilizadas, com o decorrer do tempo e à medida que se intensificava o tráfico de escravos e o número dos seus praticantes, tornaram-se incapazes de cumprir a sua missão de defesa, pelo que foi necessário a construção de locais fortificados próprios.
Sobre as três fortificações erigidas na ilha do Ibo, nos séculos XVII e XVIII e que chegaram aos nossos dias, Fortim de S. José, Fortaleza de S. João Baptista e Reduto de Santo António, alguns dados essenciais:
(clique na imagem para ampliar)
- Continua em próximo post...

8/24/09

A Nação Portuguesa e a sua luta contra o tráfico de escravos.

Neste Dia Internacional da Abolição da Escravatura, cujas comemorações se centralizam na ilha de Moçambique, achei pertinente lembrar uma Carta do Conselho de Governo de Moçambique, escrita, na dita Ilha, em 19.6.1866, dirigida ao Xeque de Sancul, cujo conteúdo mostra os esforços desenvolvidos pela Nação Portuguesa no combate ao tráfico de escravos, tantas vezes esquecidos e pouco conhecidos das novas gerações de moçambicanos e portugueses. Eis o seu conteúdo, que merece profunda meditação de todos os que se interessam pela construção de uma História Colonial, baseada em factos:

"Carta do Conselho do Governo ao Ilustre Xeque de Sancul, Assane Moenhe Chée, de 19.6.1866.

Ilustre xeque de Sancul = O Governo de Sua Majestade Fidelíssima, sempre solícito em cumprir com o seu tratado com a nação inglesa, feito em 1842, instantemente recomenda às suas autoridades, nas duas Áfricas, todo o zelo e todo o esforço para que se evite, e duma vez se extinga, o desumano tráfico da gente preta para as terras de além-mar.

Esta instante recomendação do Governo de Sua Majestade EL-REI, não provém só de simples compromisso político entre as duas nações, é caso mais fundamentado e tem maior razão de ser, em si mesmo, para que uma nação, a não ser de bárbaros, repeli-la de si a nódoa mais feia que ofende a Deus, e mancha a humanidade inteira.

A nação portuguesa sofreu sempre, e sempre esteve pronta a morrer pela sua liberdade, mas nunca atentou contra a liberdade de ninguém.

Temos, é verdade, de lastimar um e outro exemplo; porém isso o que prova é que o principio é verdadeiro, e que as aberrações do verdadeiro caminho aparecendo em tudo, neste mundo, aparecem também nos homens.

Satisfazer a ambição de riqueza à custa da carne, do sangue, e da liberdade do seu semelhante, é um facto que se este mundo condena, no outro não poderá haver perdão.

A vossa avançada idade e os muitos anos de serviço a este Governo, dá-lhe o direito de ser mais franco na exposição da sua ideia a este respeito, e chamar a vossa atenção para uma circunstância frisante que está, diariamente, diante dos vossos olhos e de todos, e que vos pode convencer mais do que tudo quanto aqui se alega de razões, de justiça, e de filantropia.

Deitai a vossa vista para essa província, para o vosso distrito mesmo, e pergunta a esses filhos e netos, que por aí vedes rotos, descalços, pobres, e miseráveis, = onde está a riqueza de seus pais e avós muitos dos quais vós mesmos conhecestes = que ainda há trinta anos andavam na abundância dos pesos, peças e onças espanholas e e brasileiras!? Perguntai = o que é feito de tanto dinheiro que seus possuidores nem o levaram para fora da Província, nem eles mesmos nunca daqui saíram?? Eles só vos poderão responder, já convencidos por milhares de exemplos da história contemporânea da província, = que o dinheiro proveniente do trafico da escravatura é amaldiçoado por Deus.

Esta província que tanta riqueza possui em minas de ferro, de cobre, de ouro, e de carvão; que abunda em ricas e fortes madeiras; que é capaz de produzir o gergelim, o coco, a purgueira, o café, o algodão e toda a qualidade de grãos para fornecer recursos espantosos à indústria fabril e comercial, jaz ainda pobre e abatida; e a razão tem sido, e infelizmente, ainda é, o engano em que a maior parte da gente, e gente do interior, está de que só se ganha bem o dinheiro, com o trafico dos escravos!!! = de nada lhes tem servido tantos exemplos de desgraça que do céu tem baixado para esta província, como justa sentença de um crime horroroso !!!

A repressão por meio dos cruzeiros que a nação portuguesa e a inglesa empregam para salvar a liberdade e a degradação dos nossos irmãos africanos, é um remédio justificado pelas circunstâncias do mal; porém acreditai, sendo um meio ainda hoje indispensável, não é o mais profícuo para se chegar a um completo resultado. Para se conseguir este, é preciso que vós, na qualidade de chefe do vosso distrito e pai dos vossos filhos, e os vossos imediatos no mando, usem de contínuas admoestações e salutares conselhos com os vossos filhos, e subordinados, fazendo-lhes compreender = que o tráfico de gente preta é um facto que escandaliza a humanidade = que os homens não podem vender os outros homens = que se eles são pretos é porque nasceram em África; assim como são brancos os que nascem na Europa, e amarelos os que nascem em grande parte da Ásia e da América = que todos nós, pretos, brancos e amarelos, somos filhos de Deus, que nos dotou de razão e de liberdade, e por isso ninguém, sem cometer um grande pecado perante Deus, e o maior escândalo perante os homens, pode dispor do seu semelhante, assim como dispõe duma pedra, que não tem razão, direito, nem liberdade.

Se o preto nos parece quase um bruto, é porque vive como selvagem e fora do alcance de toda a luz da civilização; mas educando-se e instruindo-se, ver-se-á que e é tão capaz de fazer, e tudo compreender, como qualquer outro raça branca, ou amarela.

Isto não tira que vós e os vossos imediatos ponham toda e vigilância possível para que se não dê a saída de pretos, quer em pangaios que costumam internar-se pela vossa costa, quer em navios, atrás de carne e sangue humano, para depois com o preço destes infelizes que perdem pátria, mãe, mulher e filhos, irem gastar nas suas orgias e festanças por essas ilhas que povoam este canal de Moçambique; e, sobretudo, como vós o sabeis, depois que consta que o súbdito rebelde Mussa-Quanto, estabelecido em Sangage, tenta continuar neste abominável tráfico; porém sem faltar a este dever, como xeque e súbdito fiel, que sois, não deveis perder ocasião, de empregar aquele outro meio que, se bem mais lento, e de moroso efeito, é o mais seguro e o que há-de regenerar a geração vindoura.

Cumpri assim, xeque de Sancul, Assane Moenhe Cheé, como este governo geral espera do vosso zelo, dos vosssos anos de serviço. e da vossa fidelidade a EL-REI de Portugal.

Dada e passada na sala das sessões do Conselho do Governo no Palácio de S. Paulo, em 19 de Junho de 1866.

= Luís Carlos Garcia de Miranda, juiz de direito, presidente.
= Jacinto Henriques de Oliveira, tenente coronel.
= Padre Joaquim da Virgem Maria, administrador interino da Prelasia.
= Frederico Carlos da Silveira Estrela, escrivão interino da Junta da Fazenda.
= José Zeferino Xavier Alves."

- Por Carlos Lopes Bento, Antropólogo e Prof. univ.

  • Alguns trabalhos do Dr. Carlos Lopes Bento publicados neste blogue - Aqui!

11/28/08

Retalhos da História de Cabo Delgado: A Ilha do Ibo - Imprecisões comentadas pelo Dr. Carlos Lopes Bento, parte 2.

O ForEver Pemba vem publicando há algum tempo com muita satisfação, tentando contribuir para que a verdadeira História de Moçambique seja conhecida com isenção e limpa de cores políticas inconvenientes ou parciais, dividido em post's periódicos, trabalho do Capitão-Tenente da Marinha Portuguesa Adelino Rodrigues da Costa escrito em seu livro "As Ilhas Quirimbas - Uma síntese histórico-naval sobre o arquipélago do norte de Moçambique", edição da Comissão Cultural da Marinha Portuguesa.

O último post de 13/11/08, "Retalhos da História de Cabo Delgado: A Ilha do Ibo." mereceu por parte do Dr. Carlos Lopes Bento, antropólogo e prof. universitário, profundo conhecedor do Arquipélago das Quirimbas além de Amigo e colaborador deste blogue radicado em Lisboa, o seguinte complemento que visa somar informações e continuamos daqui:
PARA A HISTÓRIA DAS FORTIFICAÇÕES DE CABO DELGADO, MOÇAMBIQUE
Por Carlos Lopes Bento(Antropólogo e professor universitário)



Continuando...

FORTIM DE SÃO JOSÉ

As autoridades de Moçambique e da Índia, a partir do primeiro quartel do século XVIII, face ao constante aumento de interesse dos Franceses e Ingleses por Moçambique, excelente território para o fornecimento, em condições vantajosas, de escravos, começaram a preocupar-se, seriamente, com as Ilhas de Querimba ou de Cabo Delgado e com a sua defesa, uma vez que estava em jogo a segurança a Moçambique, da capital da Capitania Geral e demais portos da sua jurisdição.

Com o desenvolvimento do tráfico de escravos e consequente aumento do comércio clandestino, as autoridades portuguesas, sem meios de acção, foram perdendo prestígio e capacidade para gerir uma situação cada vez mais complexa e difícil de controlar.

As Ilhas que, até então, tinham constituído uma eficaz e firme barreira, pelo norte, do restante território sob o domínio português, encontravam-se, nos meados daquele século XVIII, sem qualquer fortificação digna desse nome e "em tais termos que é providência grande de Deus não se ter inserido nelas alguma nação estrangeira, mui, especialmente, naquelas que ficam mais a norte, vizinhas de Cabo Delgado, por lá não residir homem branco algum e aqueles cafres serem de condição de amigos de novidade ... ."(1)

Receava-se a perda das Ilhas de Cabo Delgado e, com a sua queda, de todo o território moçambicano. Para ultrapassar esta fase crítica, o Governo da Índia fizera saber a Lisboa da conveniência de "fortificar-se alguma das Ilhas para ao menos se arvorar uma bandeira da nação, porque de não a haver, tomam os Franceses pretexto para entrar nelas".

As suas condições eco-geográficas limitariam essa escolha, pois, nem todas poderiam "ser fortificadas por não haver nelas portos capazes de ancorarem navios e somente na Ilha do Ibo há uma grande baía de fundo para todo o lote de naus e junto a ela uma coroa de areia capaz de fortificação, a qual se deve erigir e por nela um capitão-mor com guarnição (...), porque doutra sorte se virão a perder e por ali entrava primeiro a ruína desta conquista toda". Reconhecia-se a importância e a necessidade urgente de uma obra de defesa, indispensável para proteger a barra do Ibo, manter o respeito dos habitantes ao seu Governador, conter "os diferentes régulos da terra firme com que avizinham, de cujo comércio dependem inteiramente as mesmas Ilhas". Mas mais do que essa obra, procurava implantar-se novos símbolos que aos olhos das populações locais, submetidas ou não, e dos estrangeiros, demonstrassem mais poder, autoridade e força.

Os levantamentos prévios da área pareciam apontar para a escolha da ilha do Ibo, que era aquela que oferecia melhores condições para a implantação de uma fortaleza.

Por influências de moradores locais ou por outras razões, para as quais, por agora, não se encontram explicação, optou-se pela ilha de Matemo, que com as ilhas do Ibo e Querimba forma uma enseada e um surgidouro, sendo o mais capaz e mais seguro o situado "entre a Ilha do Ibo e a terra firme, porquanto todo o fundo é limpo de pedra e consiste o fundo de areia e erva."(2)
As Instruções de 21 de Julho de 1753, provenientes de Moçambique não deixavam quaisquer dúvidas, ao determinarem que na parte sul da ilha de Matemo deveria ser erigida "uma fortificação no melhor terreno e paragem que achar para defender a entrada da barra", sendo suficiente que dispusesse de "uma bateria sobre o canal, que o defenda, capaz de sete ou oito canhões e algum fogo nos lados quanto baste a fazê-la defensável e com a capacidade de ter dentro dos quartéis, para água da guarnição(...) cisterna ou poço de que beba"(3). Para as Ilhas e segundo as mesmas Instruções, foi mandado, expressamente, um Capitão Engenheiro com a missão de examinar:
  • 1- O local mais vantajoso para a nova fortificação;
  • 2- Se no mesmo local existia pedra para a construção e da qual também se pudesse fazer cal, de modo a evitar as despesas de transporte de Moçambique e, igualmente, se havia lenha perto para os fornos de cal;
  • 3- Da existência de ostras na marinha próxima ou de pedra do mar, que localmente é designada por momba de que se faz a melhor cal, devendo na recolha de informação para além de ver, ouvir as pessoas práticas das Ilhas e o Juiz delas;

  1. A.H.U., Doc. Av. Moç. Cx. 6, Doc. 14, Carta do Cap. Gen. para o Reino, de 11/10/1745.


  2. B.N., Códice 617, cit., fls. 13v. O Capitão da Fragata levava ordens expressas para fazer "certa diligência nas Ilhas de Querimba" e para esse efeito se chegaram "para elas para melhor as conhecer". É bem provável que esse reconhecimento estivesse ligado à construção da futura fortificação.


  3. A.H.U., Códice 1310, que contém as Instruções para o Levantamento da Fortaleza da Matemo, de 21/7/1753, dadas ao Cap. Engº António José de Melo, fls. 6, e Carta de 22/7/1753, do Cap. Gen. para o Cap. das Ilhas.

  • 4- O fundo existente entre os canais que separam as diferentes ilhas, elaborando um Mapa de todas elas em que esteja desenhada a fortificação projectada na ilha de Matemo, como também de toda a costa que corre até Moçambique.
Deveria ainda o mesmo oficial elaborar o orçamento das despesas previstas para pessoal, material e fretes, fornecendo indicações sobre o número de oficiais e serventes necessários e o tempo julgado indispensável para a conclusão da obra.
No iate que transportou às Ilhas o dito Capitão Engenheiro e os seus colaboradores, seguiriam, a fazer de lastro, "vinte pipas de cal e vinte milhares de tijolo, a maior parte quebrado" e ainda alavancas, enxadas e picaretas, destinadas a principiar a construção da fortaleza que foram dados à guarda do único português morador na ilha de Matemo.
Antes do início das obras, previsto para Outubro de 1753, com a ajuda de oficiais vindos de Moçambique, havia que preparar, localmente, grande quantidade de cal que seria paga a seis cruzados o moio. Os habitantes das ilhas de Matemo e da Querimba foram convidados a manufacturar 500 moios de cal (chunambo), que seriam pagos em panos.
Tratava-se de uma construção dispendiosa para as débeis disponibilidades financeiras da Fazenda Real, apenas possível, com a ajuda dos foreiros e demais autoridades auxiliares e respectivas escravaturas.
As dificuldades financeiras porque passavam os senhores das Ilhas e algumas daquelas autoridades, especialmente, as cristãs, levou o Capitão General a estender o seu pedido de auxílio à comunidade islâmica, considerada mais obreira e próspera, mas nem sempre colaborante com os detentores do poder colonial.
Os trabalhos topográficos e hidrográficos executados na área levaram à conclusão de que a "fortaleza deve fazer-se na ilha do Ibo porque fica mais próxima ao canal do que a de Matemo" (1), que não tem barra capaz.
A este contratempo outros se iriam somar, que seriam responsáveis pelo atraso no início das obras. Apesar de facilitadas, pela existência próxima de pedra, tanto para as fundações e paredes como para o fabrico de cal, elas não arrancariam pelo facto de não haver oficiais em Moçambique e os 20 recrutados em Damão e Diutardarem a chegar.
O atraso constatado no começo do forte viria a ser aproveitado politicamente para denegrir a acção governativa de um Capitão Generalque era acusado e responsabilizado por algumas desordens provocadas por um mouro da ilha de Querimba, apenas possíveis por não estar construída a fortificação, que, aliás, o mesmo Capitão General achava indispensável para evitar o ingresso de navios estrangeiros nas ditas Ilhas.
Mas as coisas em vez de se tornarem fáceis complicavam-se. O Conselho Ultramarino solicitava a Moçambique, em 23/5/1758, Parecer sobre as fortificações levantadas e por levantar nos portos da costa de Moçambique. Em resposta o Capitão General, no que respeitava às Ilhas de Querimba, prestava uma informação que parecia contrariar todas as expectativas até então existentes. Pura e simplesmente manifestava a opinião "de que na Ilha do Ibo, cuja barra é capaz de nela entrar toda a sorte de embarcações (...) não deve haver fortificação". Como fundamento para a sua argumentação apontava como principais causas:

  • a falta de verbas para suportar as despesas necessárias e não ser possível recorrer-se a empréstimos indispensáveis para as despesas ordinárias, por não haver, baneanes ou moradores, que os possam ou queiram fazer a El-Rei de Portugal;


  • a escassez de efectivos militares para a defesa de qualquer ofensiva do inimigo e a impossibilidade de ser socorrida, com êxito, de Moçambique, devido à distância e aos ventos, por vezes, contrários, levariam a sua queda, dando-se assim ao adversário uma "casa segura" à custa de erário público;


  • a sua queda viria a ser a ruína do resto do território por a praça de Moçambique passar a ter por vizinho um poderoso inimigo que não se limitaria ao domínio das Ilhas mas intentaria alargá-lo a horizontes mais vastos;


  • e, finalmente, a posse das Ilhas por qualquer nação europeia, representaria a perda do comércio dos Yao(2).


  1. Idem, Doc. Av. Moç. Cx. 8, Doc. 41, Carta de 20/11/1753, do Cap. Gen. para a Corte. Junto com esta Carta remete-se uma planta cartografada das Ilhas e uma planta onde está desenhada a Fortificação a fazer no Ibo, que não se encontrou; Ver também Cartas de 21/11/1753, Cx. 8, Doc. 44 e de 27/12/1753, Cx. 9, Doc. 18.


  2. Idem, Ibid, Cx. 15, Doc. 63, Carta de 30/12/1758,cit . do Cap. Gen. para Lisboa e também no Arquivo das Colónias, Vol. IV, 1919, fls. 76 e 77. O Parecer do Cap. Gen. mereceu a concordância de El-Rei de Portugal (Carta de 13/8/1760, do Cap. Gen. para Cap. das Ilhas, Cx. 18, Doc. 56).

- Continua em próximo post...

1/15/09

HÁ 150 ANOS, EM CABO DELGADO, PREVENIA-SE EPIDEMIA DE COLÉRA ASSIM:

Manchete de hoje: Cólera mata em Cabo Delgado - A província de Cabo Delgado registou até ontem três óbitos vítimas da cólera, confirmada semana passada, depois de terem sido notificadas diarreias agudas desde meados de Dezembro passado. Enquanto isso, em Machaze, Manica, foram confirmados como sendo cólera, os casos de diarreias acompanhadas de vómitos, que provocaram nas últimas 24 horas um óbito... ...(leia a matéria na íntegra aqui - "Notícias-Maputo").

E, enquanto a epidemia de cólera tenta avançar por todo o Moçambique, diz-nos o historiador e colaborador deste blogue, Dr. Carlos Lopes Bento(1):

PROBLEMAS DE ONTEM E DE HOJE: - MEIOS DE PREVENÇÃO CONTRA A EPIDEMIA DE CÓLERA VERIFICADA, HÁ 150 ANOS, EM MOÇAMBIQUE.

No momento em que cólera está, novamente, a ameaçar Moçambique, é pertinente recordar o que passou, no longínquo ano de 1859, e algumas das medidas preventivas tomadas pela Junta de Saúde para combater a epidemia que, então, atingiu não só o distrito da Capital de Moçambique, sedeada na Ilha do mesmo nome, e terras firmes fronteiriças, como também o distrito de Cabo Delgado.

Para prevenir a epidemia e atenuar os seus maléficos efeitos, as Autoridades Coloniais de então, através da Junta de Saúde de Moçambique, tornaram públicas, em 5 de Fevereiro de 1859, importantes medidas:

“INSTRUÇÕES POPULARES ACERCA DOS MEIOS DE PREVENIR A COLERA-MORBUS DE O COMEÇAR A TRATAR ANTES DA CHEGADA DO FACULTATIVO.

A Junta de Saúde da Província de Moçambique faz público o seguinte:

Tendo aparecido na Cidade, desde o dia 3 do corrente, alguns casos do Cólera-Morbus epidémico, e precisando esta doença ser tratada, logo no período da invasão, pela sua tendência a uma marcha rapidamente fatal, a todos interessa tomar conhecimento das seguintes instruções.
1.°- O cólera não é doença contagiosa, não se comunica pelo contacto; pode-se, portanto, sem receio dar às pessoas afectadas todos os cuidados, que o seu estado reclama.

2.°- O cólera propaga-se por infecção, e está provado que a acumulação de indivíduos doentes, ou mesmo sãos, em lugares húmidos, estreitos, mal arejados, faltos de asseio, pode favorecer consideravelmente a intensidade da doença, e a sua propagação pela vizinhança.

3.°- As Autoridades competentes têm providenciado e continuam a trabalhar para tornar efectivos o asseio e limpeza das casas, das ruas, e dos quintais, mas os particulares por interesse próprio da sua família e escravos, devem espontaneamente empregar todos os meios para que a limpeza, principalmente, em seus domicílios seja sempre perfeita.

4.°- Os resfriamentos rápidos, as indigestões, o uso de maus alimentos, são causas determinantes do cólera. Às pessoas abastadas é suficiente lembrar-lhes isto, mas, acerca dos escravos, convém que os senhores velem para que eles fiquem de noite agasalhados e cobertos, e não ao ar livre; que se não deixem esfriar descansando de repente ao ar livre quando acabam de trabalhar ou carregar, e estão cobertos de suor; que não comam logo depois de um trabalho fatigante; e finalmente fazer algum sacrifício para que os alimentos sejam de boa qualidade.

5.°- Durante as epidemias do cólera é preciso dar toda a atenção a qualquer pequeno desarranjo das funções do estômago, e dos intestinos.

Qualquer pessoa afectada de dores do estômago, de cólicas, de diarreias, deverá primeiro que tudo, e posto que os sintomas sejam ligeiros, dar muita atenção à natureza dos seus alimentos, diminuir-lhes a quantidade, ou mesmo pôr-se em dieta, conforme a urgência; devera evitar a fadiga, o frio, a humidade, agasalhar-se, cingir o ventre de flanela, e tomar infusões ligeiras de chá da índia, chá de marcela ou de erva cidreira.

Havendo diarreia é de decidida vantagem o uso( para pessoas adultas) de doze a dezasseis gotas de laudano liquido de Sydenham, para dividir em quatro doses ; e tomar durante o dia em agua açucarada. Para crianças o laudano só deve ser aconselhado por Facultativos.

Estes incómodos das vias digestivas são muitas vezes os sintomas precursores do cólera por isso nunca devem ser desprezados, e da prontidão com que a eles se aplicam os meios fáceis e simples de que falámos, resulta o evitar-se com muita probabilidade um ataque formal da doença.

6.°- Se os conselhos, mais higiénicos do que médios, acima indicados não bastam para fazer parar os desarranjos observados; se a diarreia persiste, se a dor aumenta, e principalmente se sobrevêm vómitos, calafrios, resfriamento dos pés, das mãos, e do corpo em geral, ou se os mesmos sintomas se declaram, repentinamente, sem algum sinal precursor, como aqui na Cidade se tem observado em algumas pessoas, então deve fazer-se o seguinte — deitar imediatamente o doente em uma cama quente entre cobertores de lã; colocar tijolos quentes, sacos de areia quente ou botijas de água quente aos seus pés, pôr-lhe panos quentes sobre o estômago e sobre o ventre; fazer fricções nos membros e à espinha dorsal com sacos de areia quente ou com flanela embebida em licores espirituosos, como álcool, aguardente, álcool-canforado, ou aguardente com pimenta; fazer tomar, de meia em meia hora, ele intervalo ou ainda mais vezes, bebidas quentes tónicas e aromáticas, como chá, marcela, calumba; na epidemia actual, em que o resfriamento caminha rapidamente, tem-se tirado proveito do uso de alguns copos de genebra ou aguardente boa, dados em pequenos intervalos, e acompanhados cada um duma pitada de pimenta redonda; outras pessoas têm dado a pimenta em cozimento quente e bem açucarado, alternado com a genebra ou com o chá de calumba. Ao mesmo tempo põem-se sinapismos nas pernas, nos pés e nos braços para reaver o calor, e evitarem-se todas as causas de resfriamento. Havendo diarreia dão-se pequenos clisteres de agua de arroz, de alteia, ou linhaça, aos quais convirá algumas vezes juntar oito ou dez gotas de laudano (nas pessoas adultas); podem repetir-se os clisteres persistindo a diarreia.

Quando aos sintomas precedentes se juntar dores de cabeça, cãibras nos membros, a persistência ou invasão do frio em uma grande extensão do corpo, se a língua se torna fria, os olhos encovados, a pele azulada na face e nas mãos das pessoas brancas, estes indícios de maior gravidade da doença não devem fazer desprezar o emprego dos meios acima indicados, mas pelo contrario devem obrigar a aplicá-los com mais energia e perseverança até à chegada do Facultativo ou à remessa rápida do doente bem agasalhado para o hospital.

As pessoas que derem os primeiros cuidados não devem desanimar mesmo quando eles pareçam não produzir grande. melhora no estado do doente.

O fim que se tem em vista obter é fazer voltar o calor ao doente, restabelecer a circulação e os movimentos do coração; e algumas vezes só no fim de muito tempo se obtém este resultado. É pois indispensável continuar sem interrupção o emprego dos meios indicados, até que se tenha chegado a reproduzir o calor natural, que é o indício de uma reacção em geral favorável.

Estabelecida a reacção, convém animá-la com bebidas aromáticas ligeiras, se ela se conserva em grau moderado, e combater a diarreia por meio dos emolientes e do laudano, e os vómitos, por meio dos aromáticos e dos ácidos. Se a reacção é exagerada, se se desenvolve grande estado febril, são indicados os emolientes, as bichas e alguma sangria. Mas neste caso convém que o doente ou em casa, ou no hospital seja tratado por Facultativo.

Finalmente, a Junta julga do seu dever declarar que, por enquanto, quase todos os casos se tem dado em pessoas mal alimentadas e mal vestidas; mais uma razão para dar atenção aos preceitos higiénicos; e que desde o dia 4 do corrente se preparou no Hospital Militar uma enfermaria isolada, onde têm sido e continuarão a ser recebidos os indigentes e escravos.

Está-se também providenciando para a abertura de um Hospital provisório, que será aberto ao público se o número de doentes aumentar.
Moçambique, 5 de Fevereiro de 1859.
= António Justino de Faria Leal, Presidente interino.
= Joaquim Franscisco Colaço, Vogal.”

Meses mais tarde, o Governador-Geral João Tavares de Almeida, no discurso que fez, em 3 de Outubro de 1859, por ocasião da abertura da Sessão da Junta Geral da Província de Moçambique, ao abordar o problema da Saúde Pública, prestou sobre o assunto, a seguinte informação:

“No mês de Fevereiro deste ano, manifestou-se nesta Cidade o terrível flagelo do Cólera-morbus. Em poucos dias passou ele ao continente; e tanto em uma, como noutra parte, produziu assoladores estragos, atacando e fazendo numerosas vítimas, sem distinção de idade, nem de sexo, principalmente na classe dos escravos.

Houve sérios receios de que a epidemia se propagasse aos outros Distritos, mas felizmente não sucedeu assim. Somente o distrito de Cabo Delgado, sofreu os terríveis efeitos desta moléstia, desde 16 de Fevereiro até 10 de Abril do corrente ano.

Para maior, desgraça o Distrito não tinha facultativo algum, nem desta Cidade se lhe puderam mandar, porque só se soube a notícia da invasão da epidemia quando já tinha acabado.

Segundo as estatísticas já publicadas, o número de falecimentos durante o período da epidemia foi, nesta Cidade e parte do seu Distrito, de 749 pessoas. Consta porém que a mortalidade foi considerável em Sancul, e na Quintangonha, de cujos lugares não foi possível colher suficientes dados, e esclarecimentos. No lbo a mortalidade não foi menor e consta dos mapas remetidos terem falecido 967 pessoas.

Durante estas criticas circunstâncias que, neste Distrito, duraram até meados de Abril, adoptaram-se todas aquelas medidas que estavam ao alcance da administração, não só para debelar a epidemia, como para evitar que ela se propagasse aos outros Distritos, que a Providencia, felizmente, preservou de tão terrível e destruidor flagelo.

Com esta epidemia alguns proprietários sofreram graves perdas, e é de justiça dizer que todos fizeram em favor dos seus escravos aqueles sacrifícios, que as circunstâncias exigiam, e que a caridade ordenava.

Ao cólera sucederam algumas outras moléstias, que costumam ser o cortejo forçado de quase todas as epidemias de qualquer natureza que sejam e o estado da saúde pública ressentiu-se, por algum tempo, deste grande transtorno das condições higiénicas do país. Finalmente, as moléstias ordinárias do clima continuaram a predominar, com um carácter menos grave, mas com certa intensidade mesmo nesta época do ano, em que quase sempre o número dos atacados das febres diminui sensivelmente.”

Segundo dados publicados no Boletim Oficial, morreram, na Cidade de Moçambique, devido à terrível doença, mais de 700 pessoas, assim distribuídas, por etnias: 47 europeus, 11 asiáticos, 12 naturais, 1 chinês, 35 mujojos, 52 pretos livres, 8 pretos libertos e 541 pretos escravos.

Quanto à Vila do Ibo, faleceram, entre 16 de Março e 26 de Abril de 1859, 962 pessoas, assim distribuídas: 126 livres, 21 libertos e 815 escravos. O dia de maior mortalidade foi o dia 20 de Março, com 60 perdas.(2).

Não se apresenta números relativamente a Fevereiro e parte de Março.

Monte de Caparica-Portugal, 15.1.2009,
Carlos Lopes Bento(1).

(1) - Antropólogo e Professor Universitário.
(2) - Todo o conteúdo do presente texto faz parte de um contexto próprio, que deverá não ser esquecido na sua leitura e interpretação. Toda a informação aqui apresentada foi extraída das minhas fichas de leitura e fará parte de um novo trabalho, em vias de conclusão, sobre as Ilhas e demais terras Cabo Delgado.

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